Neste ano bissexto, um fenômeno ainda mais esporádico chama a atenção para a nova turma do Instituto Rio Branco (IRBr) — a academia diplomática brasileira: uma mulher foi aprovada em primeiro lugar no concurso de ingresso à carreira. A última vez que isso aconteceu foi em 2012 e 2014. Nascida em Rio Verde, no Estado de Goiás, a advogada Giovanna Laporte é uma das 16 mulheres aprovadas entre os 50 candidatos admitidos no ano passado.
Isso significa que a proporção delas entre homens bateu os 32% no ano passado. O percentual está acima da média das últimas duas décadas (estimada em 26% pelo Ministério das Relações Exteriores), mas ainda abaixo do recorde de 42% registrado em 2022, e bem abaixo do que se poderia chamar equilíbrio.
Ninguém sabe explicar ao certo por que elas entram em menor número para a academia diplomática. As próprias diplomatas consultadas brincam que esta é a “pergunta de um milhão de dólares”. Movimentos femininos de dentro da casa e a própria instituição, mais recentemente, vêm tentando atrair mulheres para atuar na política externa. No ano passado, o IRBr criou a campanha intitulada “Convite à Carreira Diplomática”, para divulgar, sobretudo nas universidades, informações sobre a carreira e o concurso atrás de diversidade e representatividade no corpo diplomático. Em 2023, também adotou inédita política de paridade de gênero em bancas examinadoras de concursos e cursos.
Uma vez dentro do ministério, elas ainda são sub-representadas nos cargos de comando e em postos-chave. Mas este é outro problema. A barreira inicial parece começar antes e durante o concurso. No concurso do ano passado, este prestado por Laporte, foram 7.901 candidatos, entre os quais 3.458 mulheres. Ou seja, somavam 43,77% do total dos postulantes. A nova turma, ainda que tenha uma mulher classificada em primeira posição, é composta em 68% por homens.
"É tudo mais difícil. É um ambiente desafiador para mulheres. Talvez, mais até do que eu imaginava. São muito poucas embaixadoras mulheres, menos ainda em postos de grande importância", conta Laporte, que acaba de completar um mês de casa.
Esta foi a quarta vez que a advogada de 27 anos disputou uma vaga. A primeira foi ainda em 2017, para testar seus conhecimentos, quando seu desejo era tornar-se defensora pública. Depois, entusiasmou-se com os desafios da diplomacia. Começou a estudar com foco quando deixou Rio Verde, onde fez escola e universidade, e mudou-se para Brasília, onde fez um mestrado em Relações Internacionais e concentrou-se nos livros e cursos variados.
A pesquisa “Perfil sociográfico e estudo de carreira da diplomacia brasileira” talvez ofereça algumas pistas sobre os obstáculos aos futuros diplomatas. Eles pertencem a classes econômicas mais abastadas. Muitos puderam se concentrar nos estudos — e os cursos são caros, como confirma Giovanna —, em muitos casos, sem precisar trabalhar. A maioria ainda vem do Sudeste do Brasil, em geral egressa de escolas privadas. Outro dado interessante é que 67% das candidatas se dedicavam a cuidados com a casa, contra 50% dos homens; 14% delas cuidavam dos filhos, contra 8% deles.
Laporte quer fazer a diferença. Já escolheu o chinês como novo idioma que pretende aprender no Itamaraty. E começou a doar todos os materiais de estudos para outras mulheres que sonham em ingressar na casa de Rio Branco.