A respeito do processo de abertura do mercado livre de energia, os especialistas têm uma certeza: no novo cenário que se desenha para o setor de distribuição, que tende a ficar mais competitivo, levarão vantagem as distribuidoras que melhor se planejarem para as mudanças em curso, especialmente no que diz respeito às relações com os seus clientes.
Com a dinâmica do movimento de retenção e de expansão da carteira, as distribuidoras terão o desafio de conhecer bem o perfil de consumo dos clientes para suprir as suas necessidades. “Novas configurações de negociação surgirão porque estamos falando de produtos e serviços diferentes”, acredita Franceli Jodas, sócia da consultoria KPMG.
O sucesso na transição para esse novo mercado, que será mais sofisticado, vai depender da capacidade das distribuidoras em desenhar as novas ofertas. Outro fator importante, segundo Jodas, diz respeito ao investimento em novas tecnologias e na expansão do portfólio de produtos e serviços.
Na avaliação de Guilherme Lockmann, responsável pelo setor de Power & Utilities da consultoria Deloitte, as distribuidoras de energia terão a oportunidade de estabelecer uma relação de parceria com os clientes. Com base nas informações de consumo dos clientes que dispõem, poderão estimular o uso inteligente de energia, exemplifica.
As distribuidoras podem aproveitar o momento para implementar ações de fidelização de clientes e manter a reputação da marca, acrescenta Lockmann. Isso pode ser feito com a incorporação de serviços adicionais de maneira que a comercialização de energia seja apenas um acessório. “É como acontece no mercado de seguro de carros”, compara.
A expectativa é de que o processo de migração ocorrerá de forma gradativa, à medida que surgirem ofertas capazes de seduzir os clientes a trocarem de provedor de energia. Mas existe uma preocupação no setor de distribuição quanto ao impacto da abertura no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), que continuará existindo.
As atenções estão voltadas, sobretudo, ao reequilíbrio dos contratos legados. Isso porque a energia que as distribuidoras comercializam para os consumidores no mercado regulado é comprada nos leilões realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que também regula o valor da tarifa cobrada todos os meses dos consumidores.
Nesses certames foram firmados contratos de longo prazo antes da abertura do mercado livre de energia e que terão que ser pagos. Com o processo de migração dos consumidores e o avanço da geração distribuída, ocorreu o que no setor de distribuição se chama sobrecontratação, ou seja, energia que “sobra” no portfólio das distribuidoras.
Além disso, como os contratos firmados contêm lastros de capacidade do sistema elétrico, as distribuidoras se preocupam também com os custos de energia oriunda de usinas termelétricas, que são mais altos e arcados somente pelo mercado regulado, revela Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
Outro ponto crítico, segundo Madureira, diz respeito aos incentivos que os consumidores do mercado livre recebem ao comprarem energia oriunda de fontes renováveis. Há um desconto de 50% no valor da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST). Essa diferença é paga pelos consumidores do mercado regulado.
O problema da sobrecontratação de energia está solucionado com o projeto de lei 414, que tramita na Câmara dos Deputados. Mas o presidente da Abradee chama a atenção para a necessidade de se aprimorar os mecanismos para que a migração seja saudável e não deixe custos para o consumidor que permanecer no ambiente ACR. “Teremos pela frente a abertura do mercado de baixa tensão, que tem um volume muito maior de consumidores”, observa Madureira.