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As mudanças climáticas já fizeram com que o clima do norte na Bahia mudasse de vez. Uma região da Caatinga de 5,7 mil km2, na divisa com Pernambuco, se tornou definitivamente árida - a primeira do país, mostra um estudo recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Agora, produtores rurais e cientistas somam esforços para adaptar espécies e evitar os riscos de desertificação, o que tornaria essas terras improdutivas.
O hidrólogo Javier Tomasella, do Inpe, diz que a região já tinha clima historicamente mais rigoroso, com maior incidência de radiação solar e menos chuvas. "Bastou o último empurrão para jogar ela para outro tipo de clima", diz. O empurrão veio com o aumento da temperatura do planeta, associado à degradação do solo e à diminuição das chuvas, segundo os especialistas. "Essa região concentra os maiores aumentos de temperatura do país", diz a meteorologista Ana Paula Cunha, do Cemaden.
Os pesquisadores analisaram dados de chuvas e evaporação de solo e dos vegetais desde a década de 1960. Ao comparar a faixa de 1990 a 2020 com o período anterior, descobriram, além de uma região árida, que todo o país ficou mais seco, com exceção do Sul. Também constataram tendência de expansão de áreas do semiárido no Nordeste e no norte de Minas Gerais, a uma taxa média superior a 75 mil km2 por década.
A primeira região árida do Brasil compreende os municípios de Macururé, Abaré, Chorrochó, Curaçá, Macururé, Rodelas, Juazeiro e Sobradinho, na Bahia, e de Belém do São Francisco, em Pernambuco.
O produtor Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia, conta que chove pouco e de maneira disforme em toda essa área, com estiagens que duram de seis meses até um ano. “A má distribuição da chuva leva, consequentemente, a uma degradação do solo", diz. A seca traz prejuízos à safra, mas produtores locais aprenderam a conviver com o clima. Curaçá, por exemplo, é o maior produtor de coco da Bahia, diz Miranda. Também produz outras frutas, como manga e goiaba. "Qual a diferença dentro disso? Choveu mais, choveu menos, o sol foi mais quente ou menos quente dentro do mesmo município?", indaga o ruralista. A resposta, afirma, está no desenvolvimento de tecnologias e na capacitação dos produtores.
A Embrapa desenvolve sementes que aguentem a seca e animais resistentes à estiagem. "Buscamos, por exemplo, diminuir o intervalo entre partos das criações e diminuir o tempo para esse animal chegar ao abate. Quanto menor o tempo em que esse animal for abatido, por menos dificuldades de alimentação ele passa", conta Iêdo Sá, engenheiro florestal e pesquisador da pesquisador da Embrapa Semiárido. Outro exemplo é a diminuição do ciclo de vida do milho, de 90 para 60 dias. "Hoje, a planta passa muito menos tempo em campo. Ela não vai precisar estar bebendo água por 90 dias", diz.
Entretanto, mesmo a adaptação de plantações e animais às temperaturas mais elevadas e à menor disponibilidade hídrica pode não ser suficiente se a situação se agravar. Os resultados do estudo alertam para o risco de desertificação; nesse caso, o solo se tornaria tão improdutivo que sequer sustentaria as plantas nativas da Caatinga. Os impactos para a segurança alimentar e o aproveitamento econômico dessas áreas seria catastófico, afirma Washington Rocha, coordenador da Equipe Caatinga do MapBiomas. "Como são áreas que já são bolsões de pobreza, ter esses processos [de desertificação] significa que vai ter mais fome e, possivelmente, implicar em migração de população", aponta.
Nessa região árida, já com fragilidades e suscetível à desertificação, o desmatamento acrescenta riscos, diz Rocha. Em 2023, os alertas de desmatamento cresceram 43% na Caatinga - o único bioma que ocorre apenas em território brasileiro e um dos mais ameaçados do país-, para 201,7 mil hectares, segundo o MapBiomas.