![Suely Araújo, do Observatório do Clima: “O caminho para o enfrentamento desse ‘combo’ é a forte pressão da sociedade” — Foto: Divulgação](https://s2-valor.glbimg.com/vzqrGQI4afi4h9KbOhpOlfIcRFc=/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/t/e/APqTFVRWqi8RaGBxgCfw/foto05rel-101-politica-f4.jpg)
A hegemonia da bancada ruralista na Câmara e no Senado, somada às dificuldades de articulação política do Palácio do Planalto junto aos parlamentares, transformou as votações de projetos ambientais em um pesadelo para a ala ambientalista do Congresso e do Executivo. O histórico da tramitação de pautas ligadas ao meio ambiente revela que o Brasil não teve um Legislativo tão avesso ao tema desde a redemocratização, em 1985, reflexo da redução drástica no número de parlamentares que compunham a bancada ambiental.
Em 2007, entre os 513 deputados federais, 278 compunham a ala ambientalista, ou seja, votavam a favor de projetos de lei e propostas com viés de proteção e aprimoramento da legislação ambiental. Hoje o número está em cerca de metade, conforme dados compilados pelo “Painel Farol Verde”, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), com o objetivo de monitorar votações no Congresso. Por outro lado, cresceu a hegemonia da bancada ruralista, hoje a maior do Congresso, com 50 senadores e 309 deputados enfileirados pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).
“Não há dúvida de que temos hoje um Congresso com o perfil mais inimigo dos direitos humanos e do meio ambiente, um posicionamento que tem sido puxado da extrema direita. Por isso, é vital que haja um posicionamento mais claro e firme do governo nas votações, mesmo que seja para perder”, diz Marcos Woortmann, diretor-adjunto do IDS. “Vivemos situações em que o governo se posiciona contra um projeto, mas libera a base aliada para votar como quiser. Isso nunca vai funcionar, acaba se tornando um jogo de cena.”
A tensão da ala ambientalista é crescente, devido à série de projetos e propostas que hoje tramitam no Legislativo. A organização ambiental Observatório do Clima lista pelo menos 25 projetos de lei e três emendas à Constituição, que podem ser votados a qualquer momento, com impacto profundo na legislação ambiental. Na prática, a votação do que vem sendo chamado por ambientalistas de “Pacote da Destruição” já está em andamento. No ano passado, além da aprovação do marco temporal das terras indígenas - defendido por setores ligados ao agronegócio e contestado pelos povos tradicionais -, o Congresso cravou o projeto que altera regras para registro, uso e comercialização de agrotóxicos no país e centraliza decisões sobre o tema no Ministério da Agricultura, batizado por críticos como “PL do Veneno”.
Neste ano, é grande a chance de serem votadas propostas que reduzem áreas legalmente protegidas, autorizam garimpos e anistiam a grilagem de terras.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que o poder Executivo tem mostrado muita dificuldade de articulação política e que, para viabilizar a aprovação de pautas econômicas, cede em todas as demandas da bancada ruralista. Mesmo quando ocorre negociação, avalia a especialista, o governo tem perdido na derrubada dos vetos presidenciais, como aconteceu com a nova Lei dos Agrotóxicos. Muitas vezes, essas derrotas ocorrem com o apoio de alas do próprio governo, como se vê no alinhamento entre o Ministério da Agricultura e a bancada do agro.
“Os ruralistas têm apostado em uma postura do ‘aprovo o que eu quero e ponto final’ e têm sido vitoriosos nessa perspectiva. O quadro está muito ruim e as chances de retrocessos na legislação ambiental são grandes”, afirma Araújo. “O caminho para o enfrentamento desse ‘combo’, com Congresso degradador e um Executivo com divergências internas na pauta ambiental e fraca articulação política, é a forte pressão da sociedade.”
Para o cientista político Mateus Fernandes, a articulação política do governo passa pelo papel dos líderes dos partidos nas votações. “O governo tem que ser responsabilizado toda vez que liberar a votação de sua base, sem cravar uma orientação por meio dos líderes partidários. Se o líder do partido e o líder do governo deixam de se posicionar ou orientar sobre uma matéria ambiental, o parlamentar não vai nem pensar duas vezes contra o setor”, avalia Fernandes.
A tragédia climática que acometeu o Rio Grande do Sul é vista, hoje, como um fator decisivo para sensibilizar os parlamentares sobre as pautas ambientais, devido ao clamor social a respeito do tema e o impacto bilionário sobre todos os setores da economia.
“Quero crer, agora, com essa situação que a gente, infelizmente, está vivendo no Rio Grande do Sul, somada à crise hídrica que já vivemos no Amazonas no ano passado, e a própria safra de 2023 e 2024, que caiu em algumas regiões em função de ausência e atraso de chuvas, que exista um ambiente claro e propício para um necessário ajuste de estratégia sobre a legislação ambiental”, diz André Lima, secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Não dá para o Congresso Nacional ficar na mesma toada de permitir mais desmatamento e flexibilizar a legislação. O Parlamento está na contramão da história.”
No dia 16 de maio, o Senado aprovou um projeto de lei que estabelece critérios e diretrizes para formular e implementar planos nacional, estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas. Na semana anterior, porém, o mesmo Congresso derrubou os vetos presidenciais que restringiam a gestão de agrotóxicos e dispensou licenças ambientais para plantação de eucaliptos. “Os brasileiros sabem que a crise climática já chegou e que o tema tem de ser efetivamente priorizado. Quem aprova regras que impulsionam o desmatamento e outras formas de degradação contribui para a piora da crise climática e tem de ser desmascarado”, diz Suely Araújo, do Observatório do Clima.
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) nega que tenha postura antiambiental e diz que atua pelo desenvolvimento sustentável do setor, amparado no Código Florestal Brasileiro. “Nenhum projeto amplia área de produção, incentiva desmatamento ou crimes ambientais”, afirma a bancada. “A FPA tem trabalhado para conscientizar parlamentares e população de que a responsabilidade de zelar pelo bem comum do clima, da preservação ambiental, da prevenção de tragédias climáticas e de infraestrutura urbana é de todos os brasileiros, especialmente do Executivo.”
Em 14 de maio, teve início a segunda edição da Virada Parlamentar Sustentável, movimento criado pelo IDS e pela Rede Advocacy Colaborativo (RAC) com o intuito de sensibilizar o Congresso e a opinião pública por meio de uma agenda constante de debates, seminários, exposições e mesas redondas sobre políticas socioambientais. Os eventos ocorrerão semanalmente até julho. “Temos 75 organizações da sociedade civil atuando juntas para pautar projetos positivos ao meio ambiente. Temos de seguir persistindo, insistindo e lutando pelo esclarecimento do eleitor sobre o comportamento parlamentar”, diz Marcos Woortmann, coordenador do evento. “É este o caminho possível.”