Com mais de 80% da eletricidade oriunda de usinas hidrelétricas, solares e eólicas, o Brasil desponta como potencial líder no avanço do hidrogênio verde - a energia renovável responde por 70% do custo de produção do H2V. Para alguns especialistas, o combustível pode dar uma dupla vantagem ao país. Por um lado, projetos de hidrogênio verde podem reduzir a sobreoferta de energia; por outro, têm o potencial de incentivar a neoindustrialização rumo a uma economia de baixo carbono.
Projeções destacadas na publicação “Hidrogênio de baixo carbono”, da FGV Energia, apontam que até 2050 a fatia do hidrogênio (H2) na matriz global poderá crescer de 2% para 5% (mais conservadora) a até 22% (mais otimista), com a ampliação sendo dominada pelo hidrogênio de baixo carbono, popularmente chamado de verde.
“O Brasil vai se beneficiar do hidrogênio verde; as questões são quando e como. A neoindustrialização verde depende de o país desenvolver a nova cadeia produtiva do hidrogênio e não se limitar a exportar energia em forma de molécula”, diz o presidente da Câmara Brasil-Alemanha e da thyssenkrupp, Paulo Alvarenga. “Há uma janela de oportunidade que se abre”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Elbia Ganooum.
Agentes do setor apontam que o fortalecimento da indústria verde pode contribuir para elevar a renda per capita do Nordeste - o mais promissor local para produção. O porto de Pecém (CE), que tem o porto de Roterdã (Holanda) como acionista, foi eleito pela União Europeia em 2022 o principal hub de importação de H2V pelo bloco. Um dos projetos mais avançados é o da mineradora australiana Fortescue, que pode investir US$ 5 bilhões em projeto do gás.
A indústria siderúrgica também observa o energético como forma de reduzir a pegada ambiental. Cerca de 70% do aço produzido no mundo usa o coque, cuja queima gera gás carbônico. A produção com hidrogênio, por sua vez, gera água; o oxigênio da molécula do minério de ferro combina-se com o gás num forno elétrico e vira vapor, com emissão residual de carbono. No ano passado, a ArcelorMittal anunciou a aquisição da Companhia Siderúrgica do Pecém por US$ 2,2 bilhões. Além de ampliar sua produção no Brasil, a aquisição teve na energia um de seus pilares, com a intenção de capitalizar investimentos de terceiros para formar um hub de eletricidade limpa e de H2V em Pecém.
Se o mercado externo é um ponto forte, o interno também desponta: o país deverá se tornar o maior fornecedor de grãos e carnes nas próximas décadas, mas importa mais de 80% de seus fertilizantes. O país, quarto maior consumidor de fertilizantes nitrogenados, se tornou um grande importador de amônia e fertilizantes.
Um estudo da FGV Energia destaca que o polo industrial de Camaçari (BA) tem características para se tornar o primeiro hub de hidrogênio operacional do Brasil. “Isso se deve à capacidade de destinar o uso do hidrogênio para o mercado interno - composto por diversas empresas da cadeia de valor do hidrogênio -, com destaque para a Unigel, e, por estar associado ao porto de Aratu, vislumbrar o mercado externo para o médio e longo prazo”, afirmam os pesquisadores Felipe Gonçalves, Frederico Freitas de Carvalho, João Henrique Paulino de Azevedo e Vinicius Botelho Pimenta Cantarino.
A Unigel está desenvolvendo na Bahia o primeiro projeto de H2V produzido a partir da eletrólise em escala industrial do Brasil, para produção de amônia verde. O estudo também enfatiza que o porto do Açu (RJ) tem se esforçado para a formação de um hub capaz de atrair indústrias siderúrgicas e a produção de amônia fertilizantes por meio de uma grande oferta de hidrogênio de baixo carbono.
O desafio de revitalizar a indústria brasileira convive com outro: o de não onerar as tarifas de energia elétrica. Propostas de lei em discussão no Congresso têm como alternativas descontos dos projetos à conexão de transmissão e uso da figura do autoprodutor de energia para geração de H2V, que ficaria, por exemplo, imune a encargos. Estudo da Volt Robotics, por outro lado, aponta que subsídios poderiam encarecer esses encargos. Para 2025, a consultoria estima que a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) poderá chegar a históricos R$ 40 bilhões, volume que poderia aumentar com subsídios para hidrogênio verde que estão sendo debatidos nesse momento.