Na madrugada de 4 de maio, uma queda de energia resultou na morte de 20 mil frangos em uma granja de Coronel Vivida, sudoeste do Paraná. Faltava uma semana para a entrega das aves mas, sem ventilação, a temperatura do local subiu de 25 para 38 graus e elas não resistiram ao calor. Não foi um caso isolado. Produtores de frangos e suínos relatam que, embora tenham diminuído nos últimos anos, ainda são recorrentes os problemas de falta de luz no meio rural. Para driblar essas falhas, reduzir custos e ajudar a limpar a cadeia de produção animal, crescem no país ações de estímulo para investimentos em biodigestores para geração de energia.
“A queda de energia no campo é muito prejudicial, perde-se principalmente leite e frangos”, comenta Felipe Souza Marques, diretor de desenvolvimento do Cibiogás, centro de tecnologia dedicado ao desenvolvimento do biogás. Segundo ele, o número de consultas de pessoas que querem investir em usinas para aproveitamento energético tem aumentado, especialmente no Paraná, maior produtor de frango do Brasil, Minas Gerais e Santa Catarina, o maior produtor de suínos.
E há muito espaço para crescimento. Em 2021, havia 755 plantas em operação, em 2022 eram 906 e a expectativa é a de que, até 2030, o número salte para 10,2 mil, considerando o amadurecimento em tecnologias e modelos de negócios e o fortalecimento da agenda de descarbonização de transportes, afirma Marques.
O coordenador de energias renováveis do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), Herlon de Almeida, afirma que a aposta em usinas de biogás é uma boa saída para enfrentar fragilidades das redes de transmissão de luz. E ressalta que ainda são poucos os que percebem a importância da biodigestão, não só para evitar prejuízos com apagões, mas também para tratar os dejetos de animais de modo adequado, sem contaminar solos e rios, e atender exigências de ESG da indústria e de importadores. “A biodigestão se faz com ganhos econômicos. O retorno do investimento acontece antes da quitação dos financiamentos das plantas”, destaca.
Valdir Rossetto, que cria suínos em Toledo, oeste do Paraná, investiu R$ 400 mil em um biodigestor em 2020. Hoje, parte da energia que produz é usada em sua propriedade e parte é negociada, o que rende cerca de R$ 12 mil por mês, juntando a economia na conta de luz e o que entra da comercialização. Como gostou da experiência, o produtor quer ser um investidor na área. “Agora tenho uma renda adicional e estou vendo como colocar mais um biodigestor para produzir e vender mais energia”, conta.
Nem sempre os investimentos são individuais. “Ainda há problemas com quedas de energia no campo, o que é grave para a avicultura, mas nosso projeto vai além disso”, diz o agrônomo Volmir Kennedy Anater, idealizador de uma cooperativa que reuniu 53 investidores de três municípios para a construção de uma usina, que teve investimentos de R$ 15 milhões e deve ser inaugurada em julho em Salgado Filho, sudoeste do Paraná, com dois biodigestores, lagoas de decantação e fábrica de adubo. Lá, dejetos das granjas estavam virando uma barreira para ampliações. Um estudo mostrou a viabilidade de produção de biogás de dejetos de aves, suínos e bovinos, e surgiu a Cooperativa de Produtores de Energia e Adubo (Coopenad). A energia que será produzida no local poderia abastecer 2,5 mil residências.
Anater explica que, em 2021, os investidores buscaram financiamento, tornaram-se avalistas do empreendimento e terão dez anos para o pagamento, com dois de carência. Há a expectativa de que ele se pague com 60 meses e vire fonte de renda extra. No modelo de operação, o transporte diário dos dejetos das propriedades será terceirizado. Além de energia, do resíduo sairá fertilizante para uso dos investidores e para comercialização, e já planejam uma terceira fonte de renda. “Queremos negociar créditos de carbono”, adianta Anater.
Em um movimento para ampliar a geração de energia do biogás, a Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) criará em junho um grupo de trabalho que terá dois focos: melhoria da eficiência de biodigestores e agregação de valor. Silvio Krinski, coordenador da área técnica da Ocepar, diz que problemas de interrupção de energia em final de linha ocorrem em todo o país e afetam os produtores rurais. Essa questão, acrescenta, pode ser contornada com investimento tanto em biogás como em usinas fotovoltaicas, mas o principal foco das cooperativas agropecuárias é a transformação de um passivo em um ativo. “É a geração de renda por si”, afirma.
Sobre as interrupções, a Copel, empresa de energia do Paraná, informou que as falhas são provocadas por eventos climáticos. “Desde 30 de junho de 2020, quando o Estado foi atingido pelo ciclone-bomba - que chegou a deixar 1,8 milhão de unidades consumidoras sem energia elétrica, no pior evento registrado pela companhia até hoje -, a empresa enfrentou cerca de 40 temporais que causaram grandes prejuízos na rede”, afirma. Em outubro de 2021, 3.751 postes quebraram com a força de ventos, acrescentou.
Segundo a Copel, o tempo que os clientes rurais ficaram sem energia foi reduzido em 11,5% nos últimos quatro anos, devido a investimentos na rede de distribuição. Sobre os pedidos de ressarcimento por prejuízos causados por quedas de energia, a empresa disse que há 345 processos em andamento. E informou que, até o dia 18 de maio, 24.513 sistemas de geração distribuída na área rural foram conectados à sua rede. Destes, 24.445 produzem energia com painéis solares fotovoltaicos, 64 com biomassa, três são de fonte hídrica e um de fonte eólica.