O que aconteceu com o “ICMS ecológico” no âmbito da reforma tributária reflete os caminhos percorridos pela pauta ambiental no Congresso. Praticamente eliminado na votação da Câmara, foi restabelecido no Senado e coube à própria Câmara acompanhar essa decisão ao dar a palavra final sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 e as regras de repartição das receitas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criado com a junção do estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços (ISS). A tramitação foi encerrada dia 15 em dois turnos na Casa e agora o texto será promulgado.
A reforma tributária previu o “IPVA ecológico” e o Imposto Seletivo para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde ou ao ambiente, mas por pouco não eliminou um dos instrumentos de política ambiental que deram certo no Brasil: o “ICMS ecológico”, que há 30 anos instituiu a preservação ambiental entre os critérios de distribuição da arrecadação do tributo entre os municípios.
Do jeito que saiu da Câmara, no início da tramitação, o texto deixava os Estados sem margem para contemplar prefeituras que adotassem projetos ambientais ao definir que 85% das receitas do IBS pertencentes aos municípios seriam proporcionais à população, 10% iriam para educação e 5% em montantes iguais para as cidades. Já o Senado destinou para o que se chamará “IBS ecológico” 5% de recursos com base em indicadores de preservação ambiental, reduziu para 80% o critério de população e manteve as demais divisões.
Após idas e vindas, o “espírito do ICMS Ecológico” foi mantido no novo IBS pelos deputados federais. “Sem esses recursos, as prefeituras beneficiadas não conseguiriam continuar suas ações ambientais”, diz o presidente da comissão de direito ambiental do Instituto de Advogados do Brasil (IAB), Paulo de Bessa Antunes. Criado em 1994 no Paraná, esse mecanismo foi adotado por 18 Estados.
O Rio, por exemplo, já repartiu R$ 3 bilhões, dos quais R$ 283 milhões neste ano, contribuindo para a queda do desmatamento na Mata Atlântica, segundo o vice-governador e secretário do Ambiente do Rio de Janeiro, Thiago Pampolha. “Sem o ICMS Ecológico, teríamos a descontinuidade de uma política pública que tem se mostrado acertada e eficiente para democratizar os recursos destinados aos municípios, que é onde o dia a dia da população acontece e onde os impactos das mudanças climáticas são mais notados”, diz Pampolha.
O acordo que permitiu a votação rápida da reforma tributária na Câmara facilitou. “O processo teve de ser agilizado e por isso mexeram o mínimo possível no texto que saiu do Senado”, acrescenta.
O receio de retrocessos, por parte de ambientalistas e parlamentares ligados à questão, ocorreu à luz de duas propostas aprovadas pelo Congresso recentemente: o marco temporal para demarcação das terras indígenas, contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal, e a medida provisória com pontos que enfraquecem a proteção da Mata Atlântica, ambos vetados pelo presidente Lula. No dia 14, o Congresso rejeitou os vetos presidenciais sobre o marco temporal, prevalecendo a tese do agronegócio (indígenas têm direito às terras que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou que estavam em disputa judicial nesta época) e respeitou vetos a trechos da Lei da Mata Atlântica que permitiam desmatamento sem medidas de compensação.
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM, vê abertura para o governo conseguir apoios, especialmente com a parcela do agronegócio que avalia como importante o respeito ao meio ambiente para manter as suas exportações de alimentos. Mesmo assim, pondera que há dificuldades. “Esse alinhamento é mais difícil porque envolve uma maior proximidade do governo com o agronegócio moderno”, diz.
Mariana Lyrio, assessora de relações institucionais do Observatório do Clima, ressalta que novos embates deverão ocorrer em 2024, em torno do projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental para atividades agropecuárias de pequeno porte e, de outro, que facilita que terras públicas desmatadas de modo ilegal se tornem propriedades de quem as utiliza.
Para a senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do licenciamento ambiental na comissão de agricultura do Senado, “com diálogo e discussão madura, trazendo as pessoas de cada lado das questões, é possível chegar a pautas de interesse do país”. Segundo a ex-ministra da Agricultura (2019 a 2022) “há muita ideologia e desinformação” quando o assunto é meio ambiente, demarcação de terras indígenas e pesticidas.