No período mais crítico da pandemia, em 2021, era raro encontrar caixas de papelão nas calçadas. Para os catadores, foi o ápice de preços do papel nos últimos anos; até R$ 2 o quilo. O valor se mantinha alto em razão da demanda das indústrias para a produção de embalagens, necessárias ao intenso fluxo de entregas, já que grande parte da população ficava em casa. Desde 2022, entretanto, os preços despencaram.
“No início deste ano, o preço do papelão estava dramático [R$ 0,15/kg] e hoje estão pagando R$ 0,40, em média”, afirma Anderson Nassif, diretor da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), que reúne 467 organizações de catadores e aos quais distribuiu R$ 415 milhões entre 2017 a 2023, oriundos da venda de 661 mil toneladas de material.
A causa apontada pelo mercado para a queda no valor das aparas de papel é o uso crescente pela indústria da matéria-prima virgem, mais barata em razão da grande produção de celulose nacional. A ligeira recuperação no valor, por outro lado, está ligada às enchentes no Rio Grande do Sul, que obrigaram os sucateiros gaúchos a interromper a coleta de material.
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Representantes da indústria papeleira alegam não ter dados sobre a quantidade de papel produzido a partir de celulose virgem ou reciclada. José Carlos da Fonseca Jr., presidente-executivo da Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) e diretor de relações internacionais da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), associação que representa o setor de florestas plantadas para a produção de papel, informa que em 2022 foram coletadas 5,2 milhões de toneladas de aparas, alcançando o índice de reciclagem de 69,9%. “A composição do preço da apara de papel é um fenômeno de mercado e certos produtos exigem 100% de matéria-prima virgem”, diz.
Fabio Mortara, presidente da ONG Two Sides, ligada aos produtores de papel, destaca que no Brasil e em toda a América Latina, a fibra virgem de celulose é obtida exclusivamente a partir de árvores cultivadas para essa finalidade. “Trata-se, portanto, de matéria-prima de origem totalmente renovável”, afirma.
O papelão é responsável por 50% do volume nas usinas de recicláveis. Assim, a oscilação de preço afeta a renda de cooperados e associados. “Lutamos para manter o rendimento médio em pelo menos um salário mínimo, mas a conjuntura não ajuda”, diz Nassif, que estima em 1 milhão o contingente de catadores de recicláveis no país. “A conta não fecha apenas com a venda de materiais. Os trabalhadores da reciclagem precisam ser remunerados pelo serviço ambiental que prestam, ao coletar os materiais das ruas”, defende.
Patricia Rosa, coordenadora do Cataki, aponta esse como o desafio crucial reciclagem. A ONG surgida em 2012 como uma iniciativa para dar mais visibilidade aos catadores se transformou em um aplicativo que conecta geradores de resíduos a coletadores e recicladoras e acaba de firmar parceria com a GreenMining, para que os cadastrados possam vender recicláveis por preços acima do mercado nas Estações Preço de Fábrica.
“Noventa por cento de tudo que é reciclado no Brasil passa pelas mãos dos catadores”, afirma Rosa. “Para render R$ 5, valor pago pelo quilo [de alumínio], é preciso juntar 62 latas, o que pode levar um dia inteiro”.
Rosa defende que, se as empresas cumprissem a logística reversa (LR), seria possível melhorar a renda mensal média dos trabalhadores da reciclagem, que segundo ela é de R$ 500 a R$ 800. Entre as iniciativas nesse caminho está o programa Mãos Pro Futuro, que exibe o índice de 31,6% de embalagens pós-consumo encaminhados para a reciclagem no último ano, superando em quase 10 pontos percentuais a meta da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 22% de recuperação. O programa é coordenado pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) e a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla).
“São nossas parceiras grandes indústrias de cosméticos, como Natura e O Boticário, que assumem os custos da LR de ponta a ponta”, diz Fábio Brasiliano, diretor de desenvolvimento sustentável da Abihpec. O volume alcançado em 2023 foi de 166 mil toneladas de materiais recicláveis, sendo 41% plásticos, seguidos por papéis (35%), vidros (16%) e metais (8%).
O programa já encaminhou para a LR cerca de 1 milhão de toneladas de resíduos, envolvendo 200 organizações de catadores e 5.727 profissionais da reciclagem de todo o Brasil, sendo que 56% são mulheres. “A renda média mensal dos catadores dentro do nosso programa foi de R$ 1.515 em 2023”, diz Brasiliano. O valor é quase 15% acima do salário mínimo da época.
Outra reivindicação do setor é por mudanças tributárias, com diminuição dos impostos sobre materiais que entram na cadeia da reciclagem, já tributados originalmente na produção. “Se a carga de impostos diminuir, já teremos um fôlego”, afirma Wilson Santos Pereira, presidente da Cooper Vira Lata . “Para melhorar a renda dos cooperados é preciso ganhar escala, padronizar materiais, manter grandes galpões para armazenamento e, entre outras coisas, saber negociar com a indústria, que quer sempre comprar pelo mínimo possível”, diz. “Outro grande desafio é achar modos de atender aos catadores avulsos. Como vamos trazê-los para a formalidade, pagá-los via Pix, se eles não têm casa, conta bancária, celular?”.