Em regiões sob pressão do desmatamento, a bioeconomia valoriza a floresta em pé e estimula o crescimento de modelos de gestão comunitária para acesso a mercados, com melhoria das condições de vida para a população local. Em Nova Califórnia (RO), a Cooperativa Agropecuária e Florestal do Projeto Reca - sigla de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado - rompeu barreiras. Fez o lugar sair da precariedade e falta de amparo, e hoje é referência como oásis produtivo na Amazônia.
“É uma comprovação de que o uso sustentável da biodiversidade agrega recursos financeiros”, afirma Hamilton Condack, presidente da cooperativa, com produção em agroflorestas a 360 km de Porto Velho, na divisa de Rondônia, Acre, Amazonas e Bolívia. São 189 cooperados, cujas atividades impactam 1,5 mil famílias e geram receita total de cerca de R$ 10 milhões ao ano.
O portfólio tem polpa de frutas, palmito pupunha, castanha-do-brasil, sementes, geleias, licores - e, principalmente, manteiga de cupuaçu e óleo de andiroba e castanha, vendidos à indústria de cosméticos. “Como modelo de bioeconomia, chegamos a receber 1,5 mil visitas por ano do país e exterior”, diz Condack, ao lembrar a contribuição da parceria com a Natura, iniciada em 2001.
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Nessa relação, além do fornecimento de bioinsumos, há ganhos no mercado climático pelo desmatamento evitado, em área de 2,6 mil hectares. No projeto, a Natura repassou até agora R$ 7,6 milhões à Reca: metade destinada a um fundo coletivo e outra metade distribuída para as famílias, de acordo com a área em que opera. “Na Amazônia, é necessária uma lógica de suprimentos diferente da convencional, com respeito à diversidade cultural, em uma política de ganha-ganha”, diz Mauro Costa, gerente sênior de suprimentos da Natura. A companhia se relaciona com 51 organizações fornecedoras no Brasil (44 na Amazônia), envolvendo 106 cadeias produtivas. “É uma relação comercial direta, sem intermediários”, afirma.
Junto a políticas de preços justos, dizem analistas, as cooperativas da bioeconomia demandam flexibilidade de prazos que respeitem as realidades locais e pagamento diferenciado, com adiantamento de recursos. Inovações são estratégicas, como no caso dos indígenas caiapó, no Pará. “Queremos visibilidade para fechar melhores negócios”, diz Bekuwa Caiapó, liderança da Cooba’y, cooperativa que integra o marketplace da Plataforma Digital da Floresta, lançada pelo Instituto Certi Amazônia. A novidade utiliza inteligência artificial para viabilizar transações com insumos da bioeconomia.
Tecnologias atraem novas gerações em Lábrea (AM), onde produtores beneficiam óleos vegetais e manteiga de tucumã e murumuru, com matéria-prima extraída em seis terras indígenas e comunidades ribeirinhas. Em projeto inédito na Aspacs, a associação local, resíduos da castanha são transformados em fibras, comercializadas para produção de bioplástico em indústria de Manaus. O biomaterial comporá embalagens e peças de computadores e outros eletrônicos. Com apoio do Idesam para investimento no maquinário, a inovação cria valor para o que era descartado na floresta, aumentando em 40% os ganhos com a castanha, comemora o indígena Rogério Apurinã, diretor da organização.
Na Cooperativa dos Povos da Calha Norte do Pará (Coopflora), em Oriximiná (PA), o desafio é livrar-se dos “regatões” - atravessadores que ditam os preços para escoar a produção extrativista. Na comercialização em rede, com rastreabilidade e histórias de vida e conservação ambiental por trás dos produtos, os preços melhoraram. “Os regatões tiveram que acompanhar”, conta Dayana Silva, presidente da cooperativa, com 96 membros. Copaíba e pimenta indígena assissi são carros-chefes, além da castanha-do-brasil, vendida à Wickbold.
O apoio para a nova realidade veio da rede Origens Brasil, que aproxima produtores de áreas protegidas na Amazônia a empresas com políticas de comércio justo. “O cooperativismo e a comercialização conjunta são as melhores formas de acessar mercados de longo prazo e fortalecer negócios na competição com modelos predatórios”, diz Luiz Brasi, gerente da iniciativa no Imaflora.
A Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavan), em Juruena (MT), beneficia castanha extraída em assentamento rural e áreas indígenas, com qualidade para exportação. São 100 toneladas por ano enviadas para a Europa. “Um percentual a mais da comercialização no exterior reverte para os produtores na entressafra, quando não há renda”, informa Johann Scheider, consultor da cooperativa, que ajuda a conservar cerca de 1 milhão de ha de floresta.
No Cerrado, a polpa congelada de frutas nativas e os óleos vegetais, como do buriti, lideram um variado cardápio na cooperativa Grande Sertão, abrangendo 40 municípios. “São fonte de renda alternativa ao carvão, obtido pelo desmatamento”, enfatiza José Fábio Soares, coordenador técnico da organização, sediada em Montes Claros (MG). Grande parte da receita provém do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal.
“Essas organizações estão na base da economia nos territórios, contribuem para a renda chegar na ponta e são essenciais à conservação ambiental”, reforça Pedro Frizo, líder do núcleo de negócios comunitários da Conexsus. A ONG mapeou mais de mil cooperativas e associações de agricultura familiar e extrativistas no país. “Elas precisam de relações e parcerias mais diversas e perenes”, avalia o economista.