Brasil-EUA
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Por Mário Camera — Para o Valor, de São Paulo


Viana: “O maior consumidor do produto com maior tecnologia e maior agregação de valor que o Brasil tem são os EUA” — Foto: Guilherme Martimon/Mapa
Viana: “O maior consumidor do produto com maior tecnologia e maior agregação de valor que o Brasil tem são os EUA” — Foto: Guilherme Martimon/Mapa

As exportações brasileiras fecharam 2023 com um recorde de US$ 339 bilhões e um aumento de 8,7% no volume exportado. No entanto, com os Estados Unidos, segundo parceiro comercial do Brasil, houve queda de 1,5% nas vendas, para US$ 36,9 bilhões. O ex-governador do Acre Jorge Viana, que assumiu a presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) no início do atual mandato de Lula, porém, vem repetindo que os EUA, o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, são a sua prioridade.

Em entrevista concedida ao Valor em São Paulo, um dia antes de uma turnê por diversos países e que inclui os Estados Unidos, ele promete lançar, ainda este ano, um mapa de oportunidades de negócios e diz estar trabalhando com o presidente Lula para avançar na relação com os americanos. “As exportações [totais] de janeiro a abril já alcançaram US$ 108 bilhões”, lembra ele. A cifra é cerca de 5% acima do registrado no mesmo período do ano passado - para os EUA, a alta foi de quase 18%.

Viana defende que é preciso ter uma “uma política exclusiva e estratégica” com os Estados Unidos - e afirma que suas expectativas “são muito boas”. Ele diz se inspirar na iniciativa privada para tentar conquistar mais espaço no mercado americano, aproveitando a política de diminuição de importações chinesas adotada pelo país. Isso tudo, com um olhar pragmático em relação a governos e ideologias políticas.

Ao falar de uma possível volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e das promessas do republicano de aplicar sobretaxas sobre importações, o presidente da Apex não se diz preocupado. Ele lembra ainda que as barreiras que o ex-presidente americano quer impor a produtos chineses podem ser uma “oportunidade” para as exportações brasileiras. “A boa relação que eu quero construir é comercial e o Brasil está pronto para ampliar seu fluxo de comércio”, afirma Viana.

O mesmo vale para as preferências políticas de seu partido, o PT, historicamente reticente e desconfiado em relação aos EUA. “Você não pode, sob pena de você prejudicar o interesse nacional, dizer ‘não, com aquele país eu não quero, porque eu não gosto disso ou daquilo’”, afirma. Leia a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Desde que assumiu a presidência da Apex, o senhor tem dito que os Estados Unidos são uma prioridade. No entanto, segundo o ministério do Desenvolvimento, houve queda de 1,2% nas exportações para aquele pais em 2023, apesar desse ter sido um ano recorde para o comércio exterior do país. O que tem dificultado o comércio entre Brasil e EUA?

Jorge Viana: Bem, a situação do Brasil nos últimos anos era conhecida. Nós tínhamos um governo carregado de uma ideologia na pauta de costumes, e que se ausentou do cenário internacional. Fazer uma opção por um isolamento, a virar quase pária, não combina com a história do Brasil e muito menos com os negócios que o Brasil fez.

No governo passado, lamentavelmente, se fazia piada com a China, o maior parceiro comercial do Brasil, o maior importador do Brasil, o maior importador do agronegócio brasileiro. Estabelecia-se um permanente conflito com a Argentina, nosso maior parceiro comercial no continente sul-americano. Lembro que o próprio governo brasileiro demorou mais de 30 dias para reconhecer a eleição de John Biden. Somando-se a isso, o descaso com os povos originários e tradicionais, o desprezo pelas regras ambientais, que são tão fundamentais até mesmo para o agronegócio e para a imagem de qualquer país - ainda mais tropical! - num período de crise climática.

O governo passado acabou com o Ministério da Indústria e Comércio. Quando se acaba com o Ministério do Comércio, os países compradores de produtos manufaturados do Brasil, como a Argentina, viram o comércio cair 40%. Os Estados Unidos, também são um grande comprador, é bom vender para os EUA.

Agora, tem uma eleição [nos EUA]. Eu espero que a gente siga crescendo a relação comercial. E com os Estados Unidos, temos que dar prioridade. Os Estados Unidos são o segundo maior exportador para o Brasil e o segundo maior comprador nosso, depois da China. Então, ele são duplamente importantes para nós.

No governo, temos conversado muito sobre a importância de termos um mapa de atração de investimentos e de ampliação dos negócios entre o Brasil e os Estados Unidos.

Valor: Em relação a 2024, quais são as projeções da Apex para o comércio entre os dois países?

Viana: São muito boas. As exportações de janeiro a abril já alcançaram US$ 108 bilhões. No ano passado registramos um recorde, mesmo com uma queda no preço das commodities. O preço do petróleo caiu perto de 20%, assim como o minério de ferro. Mesmo assim, conseguimos ter uma exportação recorde e o saldo na balança comercial foi extraordinário. Agora, 2024 começa muito bem com os Estados Unidos.

O desafio com os Estados Unidos é que em 2018 eles começaram explicitamente a tentar diminuir sua dependência de importação de produtos chineses. Perto de 23% do que eles importavam eram da China. Com a pandemia, essa dependência do mundo inteiro ficou mais explícita, inclusive a nossa. Os Estados Unidos montaram uma estratégia e hoje eles estão perto de 10% de importação da China. Em 13% do total, eles substituíram a China por outros países. E o Brasil ficou de fora. O Brasil tem uma oportunidade nisso.

Eu me inspiro muito no setor privado. Empresas brasileiras são responsáveis por 34% da proteína animal produzida nos EUA. A JBS, Minerva, Marfrig estão lá. Setenta e cinco por cento do suco de laranja produzido nos EUA são de empresas brasileiras. E quando a gente fala da Embraer, é uma coisa extraordinária. O maior consumidor do produto com maior tecnologia e maior agregação de valor que o Brasil tem são os Estados Unidos. Em Worcester e Porto Rico, milhões de passageiros são transportados mensalmente em aviões da Embraer. O Phenom 300 é o avião executivo mais vendido nos EUA.

Planejamos lançar este ano, em Washington, Nova York e aqui no Brasil um mapa de oportunidades de negócios.

Não se pode fazer beicinho com os EUA. Não se trata de gostar ou não, é um mercado prioritário”
— Jorge Viana

Valor: Quais os setores da economia brasileira contam com maior potencial para aumentar as exportações para os Estados Unidos?

Viana: São muitos. Toda essa área de serviço e indústria de transformação para mim é prioridade, porque quem está lucrando muito com isso é o México, por conta da tal substituição de importação, e o Brasil tem que se oferecer para isso, com a sua competitividade, com a sua capacidade. E acho que o vice-presidente [Geraldo Alckmin], que é o Ministro de Indústria e Comércio, já entendeu isso. Então, a ideia é ter uma agenda de presença forte nos EUA, seja com Nova York, com os fundos, que estão sempre sediados lá, e ao mesmo tempo tentando trabalhar essa questão de indústria, de transformação e serviço, como prioridade. Sem tirar, obviamente, toda essa parte de tecnologia, de inovação. O Brasil tem que avançar também nesse aspecto. Ninguém pode fazer beicinho com os Estados Unidos. Não se trata de gostar ou não gostar, é um mercado prioritário. É com esse pragmatismo que eu estou tentando trabalhar.

Valor: Em uma entrevista à revista “Time” no fim de abril, o ex-presidente Donald Trump disse que o Brasil “é muito difícil de negociar” devido às tarifas aplicadas no país. O que precisa ser feito pelo governo brasileiro para reverter esse tipo de percepção e fomentar o comércio bilateral entre Brasil e EUA?

Viana: Eu acho que tem que ter uma visão de estratégia. Eu estive lá no Ministério de Comércio. Nós vamos defender a construção de uma modelagem, nós estamos fazendo isso junto com o Itamaraty, junto com o ministro Alckmin e seu time, pra gente construir uma proposta com os Estados Unidos onde seja vantajosa essa neoindustrialização no Brasil e os Estados Unidos como um importante endereço daquilo que nós estamos fazendo. Eu vejo que é uma janela de oportunidades, até por conta da decisão dos Estados Unidos de seguir mudando e diversificando seus fornecedores.

Valor: Este ano teremos eleições nos EUA e Trump tem grandes chances de ser eleito novamente. O ex-presidente tem tido um discurso protecionista, afirmando que pretende impor uma sobretaxa de 10% sobre qualquer produto importado e de mais de 60% sobre produtos chineses. O senhor teme que uma nova guerra comercial acabe afetando o Brasil caso Trump retorne à Presidência?

Viana: Se o Biden ganhar a eleição, é um cenário futuro conhecido. Se o Trump ganhar a eleição, também é um cenário futuro conhecido. Ele [Trump] tensiona. Tensiona com a China, tensiona com outros países, mas com o Brasil não tem razão. Conhecendo o perfil do presidente Lula, ele consegue ter boas relações, independente de qual partido está liderando os EUA. A boa relação que eu quero construir é comercial e o Brasil está pronto pra ampliar seu fluxo de comércio.

Acho que nos Estados Unidos temos de ter uma política exclusiva, estratégica, por se tratar de um grande consumidor nosso. Para a China, a gente está vendendo três vezes mais. Mas onde tem potencial maior de crescimento? Eu acho que na relação com os Estados Unidos.

Valor: Como a Apex tem trabalhado para contornar os entraves às exportações para os EUA?

Viana: Eu acho que nós estávamos com muitos problemas internos. A parte de juros estava um absurdo, com isso havia uma ausência de financiamento, um envelhecimento do parque industrial. Com os EUA ou com a Europa tem que ter políticas públicas que possam tirar os entraves e, ao mesmo tempo, dar incentivos financeiros à exportação.

Valor: O senhor foi nomeado pelo atual governo Lula e é um quadro histórico do PT. O partido sempre teve uma relação conflituosa com os Estados Unidos. Isso não dificulta o seu trabalho dentro da Apex?

Viana: Até aqui nenhuma dificuldade. Eu acho que o partido pode e deve ter posições divergentes seja dos Estados Unidos, da Argentina, de algum país da Europa, seja de onde for. É uma posição partidária. Quem não pode ter é governo. Governo é governo, partido é partido. Eu sou pragmático nisso. E quando você trabalha com o comércio, aí o negócio é à parte. Não tem escolha. Você não pode, sob pena de você prejudicar o interesse nacional, dizer “não, com aquele país eu não quero, porque eu não gosto disso ou daquilo”. Eu acho que no governo do presidente Lula nós vamos avançar muito na relação com os EUA, independentemente das nossas preferências sobre o resultado da eleição.

Valor: Em uma audiência recente no Congresso americano dedicada a uma suposta “censura” no Brasil, houve ataques ao presidente Lula e ao ministro do STF Alexandre de Moraes por membros do Partido Republicano e blogueiros brasileiros. Esse tipo de ataque tanto de brasileiros quanto de americanos em pleno Congresso dos EUA pode atrapalhar de alguma maneira o comércio entre os dois países?

Viana: Eu acho lamentável o que houve e estou dando a minha opinião pessoal. É lamentável porque é como alguém falar de corda em casa de enforcado, com todo respeito. Os Estados Unidos sofreram uma tentativa de golpe, quebraram o Capitólio. E as pessoas vão lá falar isso, o mesmo que ocorreu aqui no Brasil. É o mesmo modus operandi de setores extremistas, algo que não cabe mais. Quando a extrema direita governou o mundo, o mundo viveu tragédias. A mais clássica foi a Segunda Guerra, com Hitler. Aquilo era a extrema direita: família, liberdade... Esse discurso falseado. Mas efeito disso, sinceramente, nenhum. Eu acho que a agenda positiva de ampliar as relações comerciais, o diálogo entre os Estados Unidos e o Brasil é muitas vezes maior do que essa agenda negativa, depreciativa e improdutiva que a gente vê por iniciativa de alguns poucos congressistas brasileiros.

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