A ambientalista Heloisa Schurmann, uma das líderes da expedição Voz dos Oceanos, costuma lançar às crianças em suas palestras a questão: “Qual é o pulmão do mundo?”. A resposta mais ouvida é “A Amazônia”. Quando explica que mais da metade (54%) do oxigênio respirado no planeta é produzido dentro do mar, pelo fitoplâncton, a audiência costuma se espantar. “Preservar a Amazônia é essencial, mas quando os jovens entendem a importância do oceano, vejo olhos brilhando com a descoberta; e a emoção cresce quando percebem que, para preservá-lo, podem começar repensando a quantidade de plástico usada no dia a dia”, disse ela ao Valor, a partir do veleiro ancorado no sudoeste asiático.
O relatório “Da Poluição à Solução: uma Análise Global sobre Lixo Marinho e Poluição Plástica”, da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra o tamanho do desafio: até 2040, os mares devem receber entre 23 milhões e 37 milhões de toneladas (37 bilhões de kg) desses resíduos por ano. A ONU prevê que até 2040 a poluição plástica nos oceanos pode representar prejuízo de US$ 100 bilhões anuais, com impactos em turismo, pesca, aquicultura, entre outros setores, e conclui que as partículas podem se acumular nos órgãos humanos (inclusive por inalação e absorção pela pele), incluindo a placenta, o que poderia levar a malformações de fetos.
A ecóloga Maiara Menezes, doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, investiga desde 2018 os efeitos no corpo humano causados pela ingestão de peixes contaminados com microplásticos. A maioria das amostras colhidas nos peixes mais comprados no mercado de Natal (RN) continha microplásticos no trato digestivo ou no tecido muscular.
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Grandes mamíferos marinhos também são afetados. “Para a baleia franca, a contaminação ocorre de maneira indireta, através da ingestão do krill, que por sua vez se alimenta de zooplâncton, que absorve contaminantes presentes na água do mar. O microplástico funciona como um vetor de toxinas, que se acumulam no organismo”, explica Karina Groch, diretora de pesquisa do projeto ProFranca, vinculado ao Instituto Australis, sediado em Imbituba (SC).
O pesquisador João Carlos Gomes Borges, ligado à Universidade Federal da Paraíba e à Fundação Mamíferos Aquáticos, liderou estudo que apontou que os plásticos estão causando mortes, por ingestão acidental, nas populações de peixe-boi-marinho. “Muitos municípios lançam dejetos nos rios, que chegam ao mar sem tratamento, prejudicando, além do peixe-boi, tartarugas, aves marinhas e outras espécies aquáticas”, afirma.
O projeto Limpeza dos Mares, iniciado pela Associação Náutica Brasileira no litoral de Santa Catarina em 2014, dá uma dimensão do problema - e de como o lixo pode atravessar o globo. Segundo Leandro Mané Ferrari, presidente da associação, já foram retiradas 140 toneladas de lixo do mar - e 60% do volume é formado por dejetos trazidos por correntes marítimas de lugares tão diversos como China, Austrália e Japão.
“Desde que começamos a navegar, encontramos plásticos em todos - todos! - os lugares pelos quais passamos. Eles estão em Afuá, na ilha de Marajó [PA], onde há um imenso lixão, nas Bahamas, no Caribe, enfim, em todas as partes do planeta”, diz a ambientalista Schurmann. A expedição Voz dos Oceanos começou em 1984, para promover a conservação dos mares. “A missão segue sendo transformar e engajar as pessoas, criando um hub de conexão entre organizações não governamentais, empresas e público”, diz David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos.
Entre as parcerias há uma com o projeto Coral Gardeners, que combate o branqueamento - e a consequente morte - de corais. Sediado na ilha de Moorea, na Polinésia Francesa, o programa já plantou 31 mil corais em recifes desde 2017, diz Karine Toumazeau, líder executiva da organização. “Metade dos recifes de coral do mundo já foram perdidos e poderão ser extintos até 2050”, diz. “Nosso objetivo é ampliar a restauração. Vamos plantar 1 milhão de corais em todo o mundo até 2025.”