Elaborado com linhas de crédito que incentivam a agropecuária ambientalmente sustentável no Brasil, com redução das taxas de juros para produtores rurais que adotam boas práticas, o Plano Safra tem colaborado para a modernização do campo, mas ainda não se disseminou pela região amazônica. A menor alocação de recursos no Norte do país se deve à dificuldade dos produtores de preencher os critérios para acessar o Programa RenovAgro (exigência de projeto técnico, assistência técnica, garantias e documentação), ao interesse limitado das instituições financeiras locais e à própria característica produtiva da região.
“A Amazônia é concentrada em pecuária, que se caracteriza pelo baixo acesso a crédito, por aversão do produtor ao risco de endividamento e de implementar novas práticas e tecnologias, além das questões estruturais de regularização fundiária e problemas ambientais”, diz Leila Harfuch, sócia-gerente da consultoria Agroicone e membro da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.
Levantamento da Agroicone mostra que o RenovAgro, que financia práticas como a recuperação de pastagens e sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, emprestou cerca de R$ 17 bilhões entre 2015 e 2023, dos quais pouco mais de 15% (R$ 2,6 bilhões) foram para os Estados do Norte. Dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apontam que, em julho deste ano, o programa emprestou R$ 517,13 milhões, em 331 contratos. Desses, R$ 80,5 milhões foram para 45 contratos no Norte: Pará (R$ 49,8 milhões), Tocantins (R$ 17,22 milhões), Roraima (R$ 9,52 milhões) e Rondônia (R$ 3,93 milhões) - nenhum contrato foi fechado no Amazonas, Acre e Amapá.
“Às vezes, o produtor não tem garantia suficiente e acaba não conseguindo acessar o crédito”, diz Guilherme Rios, assessor técnico da CNA. “Outro problema é a falta de instituições financeiras participantes, ali fica muito concentrado no Banco da Amazônia. Um número maior de instituições operando o crédito rural naquela região facilitaria também.”
Mesmo quem consegue preencher os requisitos acaba esbarrando na falta de dinheiro disponível. “Em julho, tivemos a suspensão das linhas equalizadas pelo BNDES, entre elas o RenovAgro, por falta de recursos”, diz Rios. O Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa) afirma que a suspensão das linhas “aconteceu pelo descompasso entre os recursos programados pelas instituições financeiras, em base trimestral, e a demanda por crédito”, e que enviou a elas ofício que “permitiu antecipar a programação de aplicação trimestral de recursos equalizados”.
Outro problema, segundo o representante da CNA, são os custos acessórios que precisam ser pagos pelo produtor para conseguir o crédito, o que acaba reduzindo o benefício. “Tem de pagar registro em cartório, projeto, IOF. Quando vai ver, uma taxa de 4%, 5% acaba saindo a 13%. Quando se faz o registro de uma célula de crédito rural há discrepância muito grande entre as regiões; em algumas custa R$ 100, em outras, R$ 2.000.”
O Brasil também vem aumentando as restrições ambientais para acesso ao crédito rural, especificamente para a Amazônia, onde há medidas de controle desde 2008. “A capacidade de influência dos instrumentos de política agrícola na gestão ambiental esbarra nos desafios da adequação ao Código Florestal, tendo a validação do CAR [Cadastro Ambiental Rural] pelos Estados papel crucial”, diz Harfuch. O Plano Safra veta crédito a quem tiver CAR cancelado ou suspenso e oferecerá, a partir de outubro, desconto de 0,5 ponto percentual nos juros para produtores com cadastro validado.
“Hoje, porém, apenas 0,6% dos CARs do Brasil são validados, e não é porque o produtor está em desacordo, mas devido à morosidade da máquina pública”, afirma Rios.
Outro desconto de 0,5 p.p. nas operações de custeio está previsto para o produtor que adote práticas consideradas mais sustentáveis - mas ainda não foram definidas quais são essas práticas e como serão comprovadas.