A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprofunda os estudos sobre o compartilhamento de custos da infraestrutura de rede (fair share) e, na hipótese de considerar justificável a sua adoção, irá apontar os caminhos regulatórios para criação de um modelo de cobrança a partir das contribuições recolhidas na tomada de subsídios, encerrada em junho. A expectativa é que no primeiro semestre de 2024 já se tenha uma definição sobre o polêmico tema.
O fator determinante para definir se a implementação do fair share é procedente ou não reside na natureza da relação comercial entre operadoras de telefonia e plataformas digitais de distribuição de conteúdo pela internet (OTTs, na sigla em inglês), diz Arthur Coimbra, conselheiro da agência. Se as OTTs exercerem poder de mercado, será preciso uma intervenção regulatória. “É essa avaliação que a Anatel ainda vai fazer”, diz ele.
As teles alegam que o investimento de quase R$ 40 bilhões que fazem na rede por ano é insuficiente para suportar o crescimento do tráfego de dados e querem compensação financeira - principalmente das OTTs, que usam a infraestrutura para fins comerciais e são responsáveis pela maior parte desses dados. As seis maiores plataformas digitais de conteúdo respondem por metade do volume de tráfego gerado nas redes fixa e móvel - o índice sobre para 80% se considerada somente a rede móvel. Segundo Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis Brasil Digital, que reúne empresas de telecomunicações e de conectividade, a previsão é de alta de quase 400% nesse tráfego até 2028.
A tendência de ocupação da rede acima da capacidade de investimento põe operadoras diante da escolha entre mais capacidade da infraestrutura nos grandes centros ou ampliar a cobertura da rede, afirma Ferrari. “As operadoras preferem aumentar a cobertura para que pessoas de áreas remotas possam ter o benefício da internet”. A Conexis considera duas possibilidades para o fair share: negociação direta entre as partes ou contribuição das OTTs no investimento das operadoras. A criação de um fundo com recursos das plataformas é descartada pela entidade.
Detentora de uma rede de 20 mil km de fibra óptica no Nordeste e no Pará, a Um Telecom defende o fair share. Mas Rui Gomes, CEO da companhia, quer a contribuição de todos o ecossistema de transformação digital, o que inclui fabricantes de equipamentos de conectividade. “Tem mais de três anos que não lançamos uma rede de cabo de longa distância”, diz.
Na tomada de subsídios, as plataformas digitais disseram não haver evidências da insuficiência de recursos para os investimentos, segundo Coimbra. Além disso, sustentaram que suas atividades agregam valor às teles, já que usuários acessam a rede para consumir o conteúdo que distribuem. Assim, o que fazem induziria o aumento da receita das operadoras.
A correção de uma disfunção regulatória e outra de mercado é fundamental para avançar no fair share, pois levará à racionalização do uso da internet e proporcionará recursos para as operadoras investirem, considera Luiz Henrique Barbosa, presidente executivo da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), que reúne 74 operadoras com forte presença no mercado de banda larga fixa.
Na rede móvel, por exemplo, Barbosa cita o acesso patrocinado (zero-rating) - prática que consiste em fornecer acesso à internet sem custos financeiros sobre certas condições -, cuja revisão depende exclusivamente das operadoras. “Existe uma contraprestação das OTTs, por isso a operadoras móveis estão oferecendo o zero-rating”, afirma.
Já a disfunção regulatória diz respeito à proibição de cobrança de franquia no serviço de internet fixa. Como o preço cobrado pelo serviço de acesso é muito baixo - um dos menores do mundo, segundo Barbosa -, os usuários são estimulados a consumir um alto volume de dados. Barbosa defende a cobrança diferenciada, de forma que o preço da internet fique mais alto apenas para o consumidor intensivo.