Além da investigação da Polícia Federal (PF), o ex-chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes também é alvo de um procedimento interno aberto pela Controladoria-Geral da União (CGU), que apura a sua participação na operação para liberar as joias sauditas apreendidas no Aeroporto de Guarulhos (SP). A avaliação é que as novas revelações do inquérito, inclusive prints de trocas de mensagens, reforçam a suspeita de que ele atuou para que o conjunto de peças em ouro branco chegasse às mãos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Gomes deixou a carreira de auditor fiscal no ano passado, mas, mesmo assim, a investigação continua e ele pode vir a ser punido, de acordo com o regime jurídico dos servidores públicos. Procurada, a CGU não se manifestou.
O kit era composto por um colar, um par de brinco, um anel e um relógio da marca Chopard, além de uma escultura de um cavalo dourado. Eles foram dados por autoridades da Arábia Saudita ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante uma viagem oficial realizada em outubro de 2021. Os objetos, que estavam na mochila de um assessor da pasta, foram retidos pela Receita Federal ao chegarem ao Brasil.
Gomes foi um dos 12 indiciados pela Polícia Federal. Além dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa, ele foi acusado pela prática do crime funcional de advocacia administrativa. Para a Polícia Federal, o ex-chefe do Fisco patrocinou “diretamente os interesses privados de Jair Bolsonaro perante a Receita Federal do Brasil, com o objetivo de incorporar, ilegalmente, os bens ao patrimônio pessoal do ex-presidente”.
Na segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo do relatório final da PF sobre o caso. O documento mostrou que, nos últimos dias do governo Bolsonaro, houve uma operação, “até certo ponto desesperada”, para tentar recuperar as joias retidas pela Receita em tempo hábil para despachá-las no avião presidencial, que decolaria no dia 30 de dezembro de 2022 aos Estados Unidos.
A PF apontou que, a partir de 14 de dezembro daquele ano, “iniciou-se uma sucessão de atos para tomar conhecimento da situação dessas joias e escultura pelo gabinete do então Secretário Especial da Receita Federal”.
Em depoimento, Gomes afirmou que foi abordado pessoalmente sobre o assunto por Bolsonaro, durante uma reunião no Palácio da Alvorada. Ele, então, pediu que o caso fosse levantado internamente e transmitiu as informações ao tenente-coronel Mauro Cid, que atuava como ajudante de ordens da Presidência.
Ele contou ainda que, em 27 de dezembro de 2022, recebeu nova ligação de Bolsonaro e que, mais uma vez, ele perguntou sobre a situação das joias. Nesse mesmo dia, Cid ligou para Gomes para saber quais medidas deveriam ser tomadas para recuperá-las.
Segundo os investigadores, o ex-chefe da Receita foi o autor de um ofício usado para facilitar a incorporação das joias e procurou, ele mesmo, servidores do órgão para acelerar o processo. Ele também conversou com Cid, em 31 de dezembro de 2022, sobre o assunto. “Avisou o presidente que vamos recuperar os bens?”, perguntou no WhatsApp.
De acordo com o relatório, porém, “o crime não se consumou pela atuação profissional e técnica dos servidores da Receita Federal do Brasil que não aceitaram as pressões e evidenciaram o desvio de finalidade nos atos praticados pelos investigados”.
A defesa de Gomes refuta o relatório da PF e afirma que o ex-secretário demonstrou “de forma cabal” em suas oitivas que jamais praticou qualquer crime, nem pretendeu “beneficiar indevidamente quem quer que fosse”. Diz que o procedimento da CGU está em curso e “também lá a legalidade da atuação de Júlio César será reconhecida”.