A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se contra à lei sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que cria o programa de escolas cívico-militares em São Paulo. O posicionamento da AGU consta em ação em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a suspensão da lei.
Para a AGU, o formato proposto pela gestão Tarcísio institui um modelo educacional "peculiar", com "viés militar próprio", que extrapola as regras previstas pela legislação federal. A ação é de autoria de parlamentares do Psol, partido de oposição a Tarcísio no Estado, que pedem a suspensão da lei. O ministro Gilmar Mendes é o relator do processo.
Na manifestação ao Supremo, a AGU diz que a proposta paulista não tem fundamento na Constituição Federal, que atribui à União a "competência privativa" para definir sobre diretrizes e bases da educação nacional. Na interpretação da AGU, cabe aos Estados e ao Distrito Federal apenas suplementar a legislação nacional e estabelecer especificidades que eventualmente a norma federal não apresente. A manifestação é assinada por Flavio José Roman, Advogado-Geral da União substituto. O documento foi enviado à Corte na sexta-feira (28 de junho).
A lei sancionada por Tarcísio em maio deste ano foi aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo e é interpretada como um aceno do governador ao eleitorado bolsonarista. As escolas cívico-militares foram uma das bandeiras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o modelo foi descontinuado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em julho de 2023.
Como é comum nesse tipo de processo, uma ação direta de inconstitucionalidade, o STF pede que a AGU e a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestem, além das partes citadas – no caso o governo paulista e a Assembleia Legislativa de São Paulo.
Na peça enviada ao Supremo, a AGU lembra que o governo Lula reviu o decreto nº 10.004/2019, de Bolsonaro, por considerar que o texto não estava de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nem com o Plano Nacional de Educação 2014-2024.
A lei paulista não está amparada no decreto de Bolsonaro, como a própria AGU observa, mas segundo o órgão o texto sancionado por Tarcísio apresenta os mesmos problemas. Entre eles os conflitos com a legislação federal e dos marcos jurídicos que definem as atribuições das Forças Armadas.
A AGU lembra que tanto o decreto e a lei paulista diferem do modelo do ensino militar, este definido por outra lei e que trata do Sistema de Ensino do Exército. Segundo a AGU, não existe um "terceiro gênero", que mescle a gestão e pedagogia previstas pela Lei de Diretrizes e Bases com as previstas pelo ensino militar. No entendimento do órgão, a atual legislação não traz qualquer menção que "inclua a polícia militar como participante dos esforços de política educacional na educação básica regular".
A AGU acrescenta ainda que a Constituição não prevê a atuação de policiais militares em atividades de políticas públicas de educação ou mesmo de apoio ou suporte à oferta da educação escolar básica. "Dessa forma, a alocação de militares da reserva para a execução de atividades relacionadas à educação básica fora do sistema de ensino militar formal, ainda que na condição de apoio ou monitoramento, não encontra respaldo nas normas fundamentais."
Governo já respondeu ao STF
Em manifestação a Gilmar, encaminhada em 21 de junho, o governo paulista defendeu a legalidade da proposta. A gestão sustenta que há programa semelhante em outros Estados e que o modelo proposto não pretende substituir o ensino tradicional, mas complementá-lo. Esse formato não é proibido pela Constituição, segundo entendimento da gestão Tarcísio.
"Saliente-se que a lei em exame não cria nova modalidade de educação e ensino a par daquelas já estabelecidas na legislação federal, apenas instituindo modelo de gestão escolar, com a agregação de conteúdos extracurriculares voltados à formação cívica aos educandos", diz o governo ao STF. Na peça, o Estado também enfatiza que a adoção do modelo é facultativa e depende de aprovação pela comunidade escolar.
O plano apresentado pelo governo estadual prevê a implementação dessas escolas em 2025. Até agosto, o governo pretende consultar os municípios interessados em receber as unidades e definirá onde elas serão implementadas.
De acordo com informações do STF, resta ainda a manifestação da PGR sobre a ação. Após o parecer da procuradoria, Gilmar define quando liberar o processo para análise dos demais ministros.
Há uma segunda ação no STF contra o programa das escolas cívico-militares de São Paulo, esta representada pelo PT e relatada pelo ministro Alexandre de Moraes. Na semana passada, o relator também pediu que o governo se manifeste em até dez dias.