Opinião
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Por Ana Inoue

É superintendente do Itaú Educação e Trabalho


Embora esta coluna tenha se constituído como espaço quase que exclusivo de defesa da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e das juventudes, a situação dramática do Rio Grande do Sul se impõe neste momento, e me leva a ocupar este espaço para reforçar a necessidade de solidariedade ao povo gaúcho. A situação emergencial do Estado ganha contornos ampliados porque os problemas são sobrepostos e de grandes proporções, o que gera uma escala monumental para a gravidade dos fatos.

O momento é o da urgência e é dramático. A perplexidade é cotidiana, precisa ser vencida a cada minuto do dia e não há espaço para a inação. As tomadas de decisão precisam acontecer sob estas condições. Não há outra opção. Cito como exemplo o desafio da Secretaria da Educação: várias escolas foram, literalmente, destruídas pelas chuvas e não há previsão em relação a como e quando poderão receber os estudantes novamente.

No âmbito de suas preocupações, a Secretaria de Educação tem professores e equipes escolares, estudantes e suas famílias, que também perderam suas casas e estão em situação de vulnerabilidade extrema. Além disso, sua responsabilidade é garantir, o mais rapidamente possível, o retorno às aulas, as condições de trabalho às equipes escolares, o acesso à escola a todos os estudantes e soluções que minimizem as perdas de aprendizagem. Além das ações imediatas - complexas, imprescindíveis e urgentes -, o que assombra a todos é a consciência do porvir, as consequências e sequelas que uma catástrofe como esta deixa no espaço, nas pessoas, na vida de todos.

Há outro lado que emergiu e que merece destaque: o movimento de solidariedade que se instalou muito rapidamente no país e gerou grande quantidade de ações e movimentos voltados a ajudar a população gaúcha. A urgência e a gravidade da situação mobilizaram, além dos órgãos públicos e governos, pessoas, empresas, universidades, organizações da sociedade civil que, de maneira muito rápida, produziram diversas iniciativas como doações em dinheiro, sistemas de logística para entrega de bens doados e ações solidárias como compras de produtos do Rio Grande do Sul e contratação de profissionais gaúchos, como artistas, por exemplo, por empresas de outros Estados.

Esta capacidade de resposta rápida da sociedade diante de calamidades públicas mostra o quanto somos solidários e sensíveis ao sofrimento dos outros. Mas uma das características das ações nascidas na emergência é que são movidas pelas emoções e, por este motivo, vale um ponto de atenção: em pouco tempo, a chuva vai diminuir no Rio Grande do Sul e a calamidade vai parecer que diminuiu, mas apenas vai mudar de lugar. Ela não deixará de existir, apenas ficará menos evidente. No entanto, as consequências de tudo isso que hoje nos sensibiliza tanto, ainda estarão ali: as escolas e as casas das pessoas precisando ser reconstruídas, a limpeza das ruas por fazer, a recuperação do que for possível, a saúde a ser cuidada, o estado emocional em frangalhos de todos que sofreram perdas.

O alerta aqui é para nos mantermos atentos ao que não é tão observável, mas permanece ali, pois o processo de reconstrução do estado será longo e o povo gaúcho precisará de diferentes tipos de apoio nos próximos tempos. E a nossa solidariedade será tão necessária quanto é hoje, ainda que a calamidade não seja mais tão observável.

Vale dizer que é natural e profundamente humano reagir mais prontamente ao observável, mas também é profundamente humana a maravilhosa capacidade que temos de ampliar o campo do observável por meio do pensamento e suas consequências, conceitos e teorias. Algo semelhante ao que diz a música “Um índio”, de Caetano Veloso: “surpreenderá a todos [...] pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”. Os conceitos de inconsciente e consciência, por exemplo, ampliaram a nossa compreensão sobre motivações humanas, sofrimento e saúde mental. Criados por Freud, estes conceitos bastante complexos tornaram observável um campo até então inexistente e desconhecido e, com isso, ampliaram significativamente a compreensão do ser humano sobre si.

A pergunta que cabe fazer diante do que vemos hoje é: o que mais deveria se tornar observável na catástrofe do Rio Grande do Sul? Quais conhecimentos, conceitos e teorias podem ampliar o campo da nossa consciência e nos ajudar a evitar que catástrofes como essas se repitam? Há hoje um vasto conhecimento sobre o funcionamento das águas, das chuvas, dos rios terrestres e voadores, dos oceanos, sobre a crise climática, sobre a questão ambiental, sobre o funcionamento sistêmico do meio ambiente, sobre a sustentabilidade das cidades e a urbanização desejável e necessária.

Só será possível criar soluções e evitar desastres como o atual se pudermos cultivar uma visão de longo prazo

Há evidências e informações, estudos de caso e soluções criadas a partir de investigação científica. Isso tudo pode sustentar a definição de políticas públicas com caráter preventivo. O encontro da ciência e do conhecimento com as políticas públicas é o que há de mais potente para criar soluções acertadas e evitar desastres como este do Rio Grande do Sul.

No entanto, isso só será possível se pudermos cultivar uma visão de longo prazo.

Será necessário desenvolver alguma capacidade de contenção da necessidade desenfreada de satisfação rápida e imediata. Todos os que trabalham no campo, com a agricultura, a pecuária e a vida que emerge da terra sabem que é preciso muitos cuidados, tempo e alguma paciência para que se possa colher os frutos de uma plantação, ver os filhotes dos animais se desenvolverem e a vida desabrochar. Sem uma visão de longo prazo não há vida longa.

A galinha dos ovos de ouro da fábula infantil morreu porque seu dono não aguentou esperar. O pensamento de curto prazo é ele próprio infantil e inconsequente: consome o broto antes de florir, mata os filhotes antes que cheguem a crescer e procriar. É um mau conselheiro. Ignora as consequências de um desmatamento que sabidamente trará um desequilíbrio capaz de sacrificar toda a lavoura e o trabalho de anos. Trata ciência como crença, sem se preocupar com as evidências que podem, literalmente, “salvar a lavoura”! O pensamento de curto prazo é a antítese do futuro.

Não é à toa que tanto reforço neste espaço de opinião a necessidade urgente de avançarmos em políticas de educação e trabalho para nossas juventudes. Serão elas que terão que lidar com um país com imensos desafios ambientais e climáticos. Serão estes jovens que terão de produzir conhecimentos, conceitos e teorias para ampliar o campo da consciência sobre as mudanças climáticas que não mais podemos ignorar.

Tudo o que o Rio Grande do Sul está passando precisa servir para que possamos criar um futuro possível e desejável, levar nosso país a um novo nível de consciência coletiva para que nunca mais o povo de um Estado precise passar por isso!

No próximo artigo espero poder falar do papel que as juventudes e o setor produtivo podem ter na construção desta consciência coletiva, na ampliação necessária do campo que hoje é observável.

Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho, frente da Fundação Itaú com foco em educação profissional, juventudes e sua inclusão no mundo do trabalho.

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