Opinião
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Por Maria Clara R. M. do Prado

Jornalista, formada pela PUC-Rio e pós-graduada em desenvolvimento econômico pela Universidade de Oxford, é autora do livro "A Real História do Plano Real"


A calamidade que assola o Rio Grande do Sul coloca a nu a incompetência do Congresso Nacional na administração dos recursos que conseguiu subtrair do orçamento da União ao longo dos últimos anos. A denúncia de que apenas uma entre as 6 mil emendas individuais de parlamentares criadas em 2023 tenha sido indicada para ações vinculadas a alterações climáticas é emblemática. Realça a ineficácia na alocação dos recursos, mas não se limita a isso.

As emendas empenhadas pelo Congresso abrem uma clivagem orçamentária em benefício de “obras” e “serviços” dispersas pelo país sem critério de planejamento, sem fiscalização, sem cobranças e sem punições. São fontes de gastos da parte obscura do orçamento, aquela que escapa ao arcabouço, digamos, formal, sujeito diariamente ao estresse de encaixar despesas crescentes em receitas fora de compasso. Digo formal porque a vertente legislativa da absorção orçamentária funciona como um apêndice das contas públicas, como se nada tivesse a ver com o equilíbrio e o ajuste fiscal necessários à harmonia econômica do país.

Os dirigentes da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, por exemplo, dão destaque à missão de fiscalizar os recursos públicos aplicados pelo Poder Executivo, um dos objetivos da comissão, mas nada falam sobre o monitoramento do destino dado ao dinheiro público abrigado sob a rubrica das emendas parlamentares. Restringem ao Executivo a responsabilidade pela gestão fiscal e deixam o Legislativo livre de ser imputado por falhas na execução orçamentária.

Um passo importante foi dado este ano com a Instrução Normativa nº 93 do TCU de 17 de janeiro de 2024 cujo objetivo é justamente o de regulamentar os procedimentos para fiscalizar as transferências repassadas a Estados e municípios através de emendas individuais parlamentares. A IN 93 atribui aos TCUs dos entes federados (estaduais e municipais) a tarefa de controlar o percurso dos recursos daquelas emendas e determina que os Estados e municípios beneficiados elaborem relatório de gestão com informações relacionadas à verba recebida. Tal relatório, diz a IN 93, deve ser inserido na plataforma Transferegov.br, por meio da qual se dá a fiscalização do TCU.

A Transferegov.br abriga todas as transferências de recursos realizadas pelo Executivo Federal para Estados, municípios, Distrito Federal e ONGs de forma integrada e centralizada. Agora, com a IN 93, passa também a abranger os recursos provenientes das emendas parlamentares.

Falta, no entanto, transparência às informações inseridas na plataforma, uma vez que só pode ser acessada por integrantes da CGU e do TCU, além do Poder Judiciário, Poder Legislativo e Ministério Público. Os contribuintes brasileiros, vítimas primeiras de catástrofes de toda a ordem com consequências letais pelo descaso dos governos com o que é público, ficam alijados do acesso aos dados referentes à origem, à movimentação financeira, aos objetivos e aos resultados da aplicação dos recursos que ao fim e ao cabo pertencem à sociedade em geral.

No caso das emendas parlamentares, a desinformação tem sido até aqui absoluta. Além de não se saber se o dinheiro tomou a direção indicada e, em segundo lugar, se foi atingido o resultado apontado na justificativa para o uso da verba empenhada e paga, não há controle da forma como a “obra” ou o “serviço” é licitado e contratado nem do tipo de material usado nem da origem da mão de obra empregada. Isso para ficarmos no aspecto particular da questão. O problema ganha dimensão agravada quando se considera que as emendas se destinam via de regra a atender as paróquias políticas de deputados e senadores, sem qualquer preocupação com políticas públicas regionais ou nacionais.

A farra das emendas parlamentares começou a partir de 2015, quando a Câmara dos Deputados era presidida pelo então deputado Eduardo Cunha. A possibilidade de os parlamentares emendarem o orçamento da União, introduzida na Constituição de 1988, ganhou naquele momento um apetite voraz de deputados e senadores.

Emendas parlamentares abrem clivagem orçamentária sem critério de planejamento, fiscalização ou punições

Entre 2015 e 2016, o valor pago pelo governo para as emendas parlamentares saiu da casa dos milhões: pulou de forma extraordinária de R$ 24,276 milhões para R$ 16,221 bilhões, respectivamente. Entre 2017 e 2019, sob a gestão de Rodrigo Maia na presidência da Câmara dos Deputados, os gastos originários daquelas emendas caíram substancialmente, mantendo-se nos níveis de R$ 5,347 bilhões; R$ 5, 474 bilhões e de R$ 6 bilhões, respectivamente.

Já na gestão de Arthur Lira, os valores pagos voltaram à marca dos R$ 17,631 bilhões em 2020, tendo sido ainda mais ampliados em 2023, para R$ 21,909 bilhões. Este ano, segundo as últimas informações da CGU, o montante efetivamente pago pelo governo às emendas parlamentares voltou à cifra dos milhões, com a liberação até então de R$ 29,846 milhões. Este valor não inclui os R$ 542 milhões de emendas de parlamentares gaúchos, liberados nesta semana excepcionalmente para os municípios afetados pelas inundações. Outros R$ 480 milhões de emendas devem ser disponibilizados proximamente.

A iniciativa de controlar e fiscalizar a aplicação do dinheiro pode funcionar como um desestímulo à prática de emendar a torto e a direito o orçamento da União por parte dos parlamentares. Mas são necessários passos adicionais. Por exemplo, falta a definição de um arcabouço legal que vincule as emendas a projetos de políticas públicas definidas pelo governo federal, Estados e municípios de modo que a aplicação do dinheiro das emendas não fique solta no espaço, com o risco de ser direcionada para a compra de dentaduras.

Também se torna crucial a instituição de penalidades, incluindo a perda de mandato por crimes de responsabilidade fiscal cometidos por deputados e senadores, sempre que as emendas parlamentares forem direcionadas a destinos escusos ou a finalidades que não se enquadram nos projetos de políticas públicas definidas pelas esferas executivas de governo.

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, formada pela PUC-Rio, é autora do livro “A Real História do Plano Real”, em versão impressa e digital.

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