Opinião
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Por Jairo Saddi

Doutor em Direito Econômico pela USP. Pós-Doutorado pela Universidade de Oxford. Bacharel em Direito pela FDUSP. Administrador de Empresas pela FGV-SP.


A tragédia que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul nos obriga a pensar no tema que é particularmente sensível quando se trata de catástrofes naturais e, nesse caso, relacionada ao risco climático: como cobrir os prejuízos incorridos pelas enchentes.

Por um lado, é obrigação constitucional do Estado responder por danos (art. 37, par. 6º, CF), mas, por outro, existe o instituto do seguro como meio de mitigar riscos no universo dos negócios privados. Como se sabe, no regime capitalista, seguros seguem uma conta atuarial: quanto maior e mais provável de ocorrer determinado risco, mais caro ele é, e quanto menor o risco, mais barato é o prêmio cobrado por aquele seguro. Também é conhecido que o custo da conta atuarial deve ser suportado por todos aqueles que contratam aquele produto de uma seguradora.

Recentemente, e antes da tragédia do RS, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram a Resolução Conjunta 9/2024, que desenha um novo produto financeiro com o objetivo de financiar a atividade de seguros. A emissão de uma Letra de Risco de Seguros (LRS), que será emitida privativamente por meio de sociedades seguradoras de propósito específico (SPE), vale dizer, sociedades constituídas apenas para tal finalidade, com patrimônio segregado, representa uma importante inovação no Brasil, especialmente importante nestes tempos difíceis.

Também conhecido como o bônus da catástrofe, o seguro é inspirado nos Insurance Linked Securities (ILS), cuja única função econômica é captar recursos para que seguradoras e resseguradoras possam arcar com custos de sinistro. Do ponto de vista de lógica financeira, trata-se de transmitir aos investidores os riscos provenientes das suas atividades.

Investidores podem, curiosamente, desejar tais riscos, mediante maior retorno: o papel do mercado é exatamente o de pulverizar riscos de seguros e resseguros mediante títulos emitidos lastreados em carteiras de apólices que possam ser chamados a cobrir situações como a atual do RS, e se tais eventos, num lapso temporal não ocorrerem, os detentores ficam com a integralidade dos prêmios pagos.

Nos Estados Unidos, onde se segura qualquer coisa mediante o pagamento de um prêmio, há um mercado ainda incipiente, mas que ultrapassa US$ 140 bilhões. Aqui entre nós, com a publicação no final de 2022 da Resolução CNSP 453/2022, o objetivo da Susep é dar forma e cor ao produto fazendo-o deslanchar.

Emissão das LRS representa importante inovação no Brasil, especialmente em tempos difíceis

A transferência de risco de financiamento de riscos via emissão de instrumentos de dívidas, que são as LRS’s, pode se tornar um mecanismo eficiente no mercado de capitais para intensificar o financiamento, ou a diversificação, do pagamento de prêmios nas hipóteses de riscos climáticos.

Mas como qualquer operação financeira de fluxo, é preciso adequá-la ao seu público captador e, aqui, é evidente que deve se tratar de investidores qualificados. Se houver sinistro, são usados os recursos da SPE para pagamento, o que pode implicar todo o capital aportado, mas o investidor está limitado e não é solidário com mais obrigações se o capital for insuficiente.

Há vantagens também para a seguradora em garantir funding para suas operações e obrigações, e o custo de um LRS poderá se incorporar aos demais custos na precificação do prêmio. Alguns têm reclamado da necessidade de incorporar algum incentivo de natureza tributária, como ocorre com as LCIs, LCAs etc, para que o mercado se desenvolva mais rapidamente. Isso pode fazer sentido já que outros setores merecem tratamento igual, mas, cabe lembrar, que qualquer renúncia fiscal precisa ser bem pensada para não se desviar de seus princípios norteadores. Da mesma forma, se a captação das LRS tiver maior cunha fiscal, com base de incidência mais larga de determinados impostos, o produto nasce morto, por óbvio.

De toda forma, as LRS são produtos financeiros assimétricos, ou seja, podem não ter qualquer correlação com indicadores da economia real, como empregos, juros, câmbio, mas apenas mediante a relação entre o risco de eventos climáticos e o preço de tal risco. Assim, um investidor pode querer balancear seu portfolio com ativos de tal natureza, e, não por outra razão, o retorno de certas LRS pode superar em muito os padrões normais de rentabilidade financeira.

Em matéria deste Valor Econômico, o CEO da Alper Seguros, Marcos Couto, abordou um aspecto fundamental do tema que é relacionado ao resseguro e à necessidade de modernização desse mercado. Para ele, “o novo título vai ajudar a ampliar a capacidade para a transferência de riscos de seguros, como um modelo complementar ao do resseguro. Ainda não temos um mercado completamente aberto de resseguro, como os mercados internacionais mais maduros, e a LRS pode ser uma solução complementar”, afirma. Segundo a mesma matéria, “a legislação mantém dispositivos com distinções entre grupos nacionais e estrangeiros. Por exemplo, define que resseguradoras locais têm preferência de 15% dos prêmios cedidos pelas seguradoras”.

Outro ponto lembrado por Couto é a contribuição que a LRS poderá dar ao financiamento de riscos que têm pouca cobertura. “Muitas vezes as seguradoras não têm interesse em um nicho específico. Então, oferecem um limite baixo para esse nicho. Mas, se tivermos um mercado organizado [de LRS], essa estrutura pode facilitar o financiamento para a cobertura desses riscos”, diz ele.

Claro que o desenvolvimento de qualquer produto depende da profundidade do mercado e da capacidade de absorção de poupança superavitária existente entre os agentes econômicos. São bem-vindos a iniciativa e o arcabouço legal, e torçamos que tenha êxito para que eventos lamentáveis como esse do RS possam ter encaminhamento menos oneroso para toda a sociedade.

Jairo Saddi é advogado em São Paulo. Escreve mensalmente, às segundas-feiras.

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