Usar o celular para alugar um carro e sair com ele sem falar com ninguém é uma das inovações que levaram a Localiza ao primeiro lugar do setor de transporte e logística no ranking Valor Inovação Brasil. Mas não é a única. A combinação entre dispositivos móveis, sensoriamento, uso de dados e inteligência artificial (IA) está sendo usada para encontrar novas formas de se relacionar com os clientes, ganhar produtividade e gerar novos negócios.
Em maior ou menor medida, esses são os principais objetivos das cinco companhias destacadas no segmento. Outros pontos em comum: a criação ou reformulação recente de áreas internas para concentrar iniciativas de inovação e integrá-las à estratégia corporativa, participação em hubs de inovação, incentivo ao empreendedorismo e investimentos em startups.
A Localiza atua com o Localiza Labs há quatro anos. A área da empresa que sustenta a tecnologia tradicional (TI) e as inovações aumentou de 200 para 1.500 o número de funcionários. O crescimento atende ao objetivo de sustentar a estratégia de liderar o setor com base em relacionamento, eficiência e serviços para diferentes necessidades.
Para André Petenussi, CTO da Localiza&Co, marca criada para refletir a visão de ecossistema, o foco em atendimento, eficiência e novas tecnologias orienta o digital e a inovação na companhia. O início da jornada se deu com iniciativas como a fundação do hub de inovação Órbi, em Belo Horizonte (MG), com o Banco Inter e a MRV. Outro passo foi a aquisição da Mobi 7 em 2020, que trouxe plataforma de internet das coisas (IoT) e telemetria.
O sensoriamento rendeu precisão na gestão de frotas, com dados em tempo real sobre seu uso. Ajudou também a alcançar níveis preditivos e prescritivos para questões como definição de preços, segundo a demanda e a manutenção. Possibilitou ainda o lançamento de novos serviços apoiados por aplicativos móveis. Um deles é o modelo de assinatura para pessoas físicas e pequenas empresas, o Meoo, com processo digital desde o pedido até o pagamento e a gestão, com dados sobre a velocidade do motorista e abastecimento. A divisão de aluguel de carros também ganhou um aplicativo próprio, além do Fast, para aluguel sem contato humano. Hoje, mais de 80% das reservas são feitas por meios digitais.
O Zarp Localiza atende motoristas de aplicativos, com funções que vão desde o gerenciamento de manutenção até a gestão financeira das corridas. Entre novas fontes de receita, o investimento na Voll trouxe para os clientes corporativos soluções digitais para controle de viagens e frotas, enquanto o serviço de assinatura de manutenção automotiva Localiza + otimiza a rede de oficinas, própria e de parceiros. “Hoje, com 600 mil veículos espalhados pelo país, a meta da empresa é ser uma empresa de tecnologia focada em mobilidade”, define Petenussi.
O grupo Elfa, especialista em logística e distribuição para a saúde, ocupou o primeiro lugar no ano passado e ficou em segundo nesta edição. De origem paraibana, recebeu investimentos do Pátria e tornou-se um conglomerado com 21 empresas, com faturamento saltando nos últimos oito anos de R$ 200 milhões anuais para mais de R$ 6 bilhões.
O grupo se apoia em tecnologias para processos como gestão de estoques e roteirização para entregas, com suporte de cerca de 30 centros de distribuição para atender mais de sete mil hospitais e cem mil clínicas médicas em todo o país. O diretor de TI, digital, inovação e CX da Elfa, Rafael Tobara, chegou à companhia há menos de três anos com a missão de estabelecer estratégias, metas e objetivos para torná-la mais inovadora, com processos e novas receitas digitais e escaláveis.
O comitê digital e de inovação da Elfa, do qual participam desde o CEO, Andrés Cima, até o conselheiro Ricardo Pelegrini, ex-IBM e fundador da consultoria Quantum, ajudou a definir as rotas de crescimento e o papel do digital. Uma delas é ganhar eficiência com sinergia entre as adquiridas, com a centralização de processos, como recursos humanos ou help desk e dados. As ferramentas incluem desde repositório unificado (data lake) até a consolidação de sistemas de gestão, a exemplo de ERP (recursos corporativos), CRM (clientes) e WMS (armazéns).
Plataformas digitais reduzem os custos de processos em grande escala. Hoje, elas respondem por quase metade do faturamento, devendo alcançar 70% até o fim do ano, com possibilidades como recebimento automático da aquisição feita por um cliente para faturamento e distribuição. Outro projeto da Elfa emprega IA para entender o que os hospitais estão cotando em portais de e-commerce para relacionar o interesse à base de produtos do grupo ou ajudar na cotação, com capacidade até de “traduzir” nomes de produtos escritos de diferentes formas. Só isso rendeu R$ 40 milhões de faturamento extra à empresa em 2022, diz Tobara.
O programa de intraempreendedorismo é outra frente. Além de engajar os quase três mil colaboradores na cultura de inovação, a iniciativa já rendeu aplicativos para gestão de equipamentos consignados e gestão de vendedores externos, como também para a troca de fornecedores de material de limpeza, depois que uma auxiliar da área percebeu que os preços pagos por produtos triviais eram superiores aos de suas compras pessoais.
A VLI trouxe há três anos o atual gerente-geral de transformação digital, inovação e TI, Loïc Hamon, para unificar iniciativas dispersas pela companhia e é mais uma empresa bem-sucedida em empreendedorismo interno, com a criação de incubadas fundadas por funcionários criativos. Uma delas é voltada ao afretamento marítimo, com solução para melhoria dos fluxos de entrada e saída de cargas nos portos e redução da demurrage, taxa paga por estadias extras dos navios nos portos. A ideia foi do inspetor de operação multimodal Tércio Fernandes Máximo, do porto de Itaqui, em São Luís (MA), hoje alocado na equipe de transformação digital. A empresa deve criar ainda um braço de venture capital para startups.
A VLI atua há cerca de cinco anos com parcerias com startups, participação no hub de inovação Cubo e iniciativas fragmentadas. A estratégia da companhia, com vistas até 2030, tem base em pilares como cocriação com clientes, maximização de uso de ativos e busca de modelos disruptivos. “Até lá parcela significativa do faturamento deve vir de produtos, serviços e plataformas que ainda não existem”, diz Hamon.
Entre 2021 e 2022, os investimentos na área cresceram 36%. Neste ano avançaram mais 16% e devem ter mais um impulso no ano que vem. O foco em indústria 4.0 gerou 167 iniciativas, das quais as 40 priorizadas nos primeiros três anos do planejamento contam com potencial de valor presente líquido – a diferença entre o que deve render no futuro e investimentos atuais – em torno de R$ 600 milhões para os próximos cinco anos. Mais 284 ações estão em curso em outras áreas, como algoritmo para definição de preços pela área comercial e plataforma digital com ferramenta para gestão de contratos, termos e condições.
Os projetos industriais incluem desde levar conectividade para oito mil km de trilhos até criar ambiente para dados massivos (big data) para processar informações de máquinas e sensores.
Ganhos de eficiência em fluxos logísticos podem apoiar o crescimento, além daquele resultante de investimentos em infraestrutura. Só em ferrovias foram identificados 17 gargalos. Um deles é a disponibilidade de locomotivas, alvo de iniciativas como medição em tempo real de sensores das peças dos motores para manutenção mais certeira. A meta de ser 15% mais eficiente em energia até 2030 inclui o uso de eletrificação e condução autônoma.
Outra que mira a questão energética é a Hidrovias do Brasil, empresa com foco no transporte hidroviário que debuta no ranking. Um dos destaques é a operação do maior comboio do Brasil, com 35 barcaças entre Itaituba e Barcarena, no Pará, com capacidade de transporte de até 70 mil toneladas e redução de cerca de 10% no combustível por tonelada movimentada. Outro é o desenvolvimento dos primeiros dois empurradores de manobra elétrica do mundo.
Há um ano a empresa chegou ao Cubo. Em 2019, o hub atraiu também a quinta colocada na lista setorial, a operadora marítima e portuária Wilson Sons, cujo objetivo era entender tendências de inovação globais. Até agora, identificou 528 startups no segmento e investiu perto de R$ 25 milhões em três delas.
A primeira, em 2020, foi a britânica AI Drivers, voltada à conversão de caminhões e maquinários portuários convencionais para veículos autônomos. No ano seguinte foi a vez da israelense DockTech, que capta dados de ecobatímetros de rebocadores para criar representações (gêmeos digitais) da profundidade de portos, gerando mais segurança para armadores e navios e até economia em dragagem. Em 2022, a operadora participou de nova rodada de investimento, no valor total de US$ 2,5 milhões.
A brasileira Argonáutica chegou ao portfólio em novembro. Sua solução de calado dinâmico usa sensores para identificar variações de maré e o melhor momento de atracação de navios, para maior capacidade de carga. A empresa desenvolveu ainda o novo sistema operacional do Centro de Operações de Rebocadores (CER) da Wilson Sons, em Santos (SP), para monitoramento em tempo real da frota de 81 rebocadores da companhia. Outra inovação é o design dos novos rebocadores da companhia, capaz de reduzir até 14% das emissões dos gases de efeito estufa. Construídos nos estaleiros de Guarujá (SP), três já foram entregues e outros três chegam até 2024, diz Eduardo Valença, diretor de transformação digital da companhia.
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