A inovação voltou ao palco das políticas e verbas governamentais. O primeiro passo foi o descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com previsão de pagamento integral do orçamento pouco superior a R$ 9,5 bilhões. Outros foram a redução das taxas de juros e serviços (spread) de instituições como Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e anúncios de novos recursos.
Em julho, na reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), com 29 ministros e 21 conselheiros, foram anunciados até R$ 106 bilhões para nova política industrial em quatro anos. São R$ 65,1 bilhões do BNDES, na maioria para financiar projetos de inovação e digitalização e a produção de bens nacionais para exportação. Pela Finep, são mais R$ 40,6 bilhões, para pesquisa e desenvolvimento (P&D) em diferentes etapas. A Embrapii destinará o restante para instituições de pesquisa tecnológica.
O CNDI deve detalhar nos próximos meses as missões definidas para a política: segurança alimentar e nutricional; saúde; infraestrutura, moradia, saneamento e mobilidade sustentável; tecnologias de defesa; digitalização; e descarbonização e bioeconomia.
“A neoindustrialização é agenda de crescimento e a inovação é seu pilar estratégico”, diz o diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do BNDES, José Luis Gordon. O Congresso ajudou aprovando financiamento de até R$ 5 bilhões para inovação, com base na taxa referencial (TR), em torno de 2% ao ano, em vez da taxa de longo prazo (TLP), de 5,93% ao ano mais IPCA, de acordo com dados de maio. Gordon destaca ainda disponibilidade de R$ 20 bilhões em linhas de crédito e maior apoio à inovação em micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Na Finep, conforme a aderência às linhas da política industrial, o spread em operações de empréstimo pode cair de 3,3% para até 2,2%, com prazos mais longos de carência e pagamento e prioridade nos desembolsos. Segundo o presidente da Finep, Celso Pansera, as missões divulgadas na reunião do CNDI espelham ambições, como tornar o país responsável por 70% do consumo do Sistema Único de Saúde (SUS) em quatro anos e colocar o Brasil para brigar com Estados Unidos e China em áreas como semicondutores e inteligência artificial (IA).
Até o fim do ano devem ser apresentados conjuntos de ações paralelas, como inclusão do componente de inovação em compras públicas, cujo orçamento só em 2021 superou R$ 1,04 trilhão. Mas já são previstas medidas como o retorno do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), com intenção de alavancar a produção atual dos modelos de 600 nanômetros até alcançar o mais avançado hoje, de 90 nanômetros, e incluir ainda placas voltaicas. Ainda estão em pauta o redesenho da Lei do Bem, para agregar MPMEs, e a regulamentação da Lei da Inovação, parada desde 2018.
Pansera explica que boa parte do valor não reembolsável do FNDCT, R$ 5 bilhões, irá para recuperar infraestruturas deterioradas, reajustar e ampliar bolsas para pesquisadores. Isso inclui compromissos já assumidos. Nos últimos quatro anos, o FNDCT somou R$ 5,6 bilhões em execução, com 55 chamadas públicas e apoio a 702 projetos de 220 institutos de ciência e tecnologia (ICTs). O resto será para crédito. Em 2022, a Finep colocou R$ 3,87 bilhões no segmento. Neste ano, até junho, foram R$ 2,6 bilhões em projetos reembolsáveis, 38 de operação direta e 206 por parceiros.
A Prati Donaduzzi e a Universidade de São Paulo (USP) fecharam R$ 270 milhões para plataforma de alta complexidade para formulações e estudos clínicos sobre canabidiol (CBD), além de outros insumos farmacêuticos ativos (IFAs) e medicamentos com ênfase no sistema nervoso central. A Romi, de bens de produção, contratou R$ 146 milhões para levar funcionalidades de indústria 4.0 a novos equipamentos.
Para a Ambiental, de saneamento, foram R$ 50,6 milhões em unidade piloto de geração de combustível a base de lixo. A 2W Energia levou R$ 22,1 milhões para plataforma de serviços financeiros e comercialização de energia e créditos de carbono. A AgroCP levantou R$ 21,6 milhões para fertilizantes de alta produtividade e a Biofur, R$ 1 milhão para bioinsumos em substituição de fertilizantes.
Em crédito descentralizado, a linha Inovacred, para empresas com receita anual de até R$ 300 milhões, financiou R$ 523 milhões para 225 contratos no primeiro semestre, ante 923 entre 2013 e 2022. Na lista, projetos como o Gov Token, solução de blockchain para rastrear gastos públicos da Investtools, com R$ 775 mil agenciados pela AgeRio, e o sistema para agricultura de precisão da Agres, com R$ 1,01 milhão pela Fomento Paraná.
Outros exemplos são a planta industrial para cultivo de larvas para alimentação animal e biofertilizantes da Lets Fly, com R$ 2,25 milhões agenciados pela Cresol Baser, e R$ 3,5 milhões para IA na plataforma de eventos Sympa, via BDMG. Em junho, oito startups com foco em IA para o poder público foram selecionadas em edital, com subvenção de R$ 23 milhões do FNDCT e parceria com o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foram os alvos. Entre as contempladas, a Genesis ficou com R$ 3 milhões, para sistema robótico de avaliação das 30 mil autorizações de funcionamento de empresas que inundam a Anvisa, e a NeuralMind, com valor semelhante para IA, capaz de redigir relatórios de respostas a 70 mil reclamações anuais na ANS.
Segundo a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), Luciana Santos, em maio foram definidos os eixos que devem orientar a nova estratégia nacional até 2030. Um dos exemplos são os contratos de R$ 360 milhões em subvenção pela Finep para o setor aeroespacial. Outro é contrato com a China para desenvolvimento conjunto do satélite CBERS-6, com radar capaz de gerar dados em qualquer condição climática e através de nuvens, com US$ 51 milhões do FNDCT em quatro anos.
A diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, defende o modelo orientado por missões e destaca o papel da Lei do Bem na desoneração de P&D. Só no ano passado, a medida contemplou 3.012 empresas e gerou R$ 27 bilhões para P&D, com renúncia fiscal de R$ 5,86 bilhões.
Levantamento da instituição em novembro do ano passado junto a empresas do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), que congrega cerca de 500 companhias, constatou o interesse do segmento em inovação aberta por meio de conexão com startups sustentada por iniciativas de capital de risco corporativo (CVC). Cerca de metade já pratica o CVC e 10% se preparam para realizá-lo, diz Gianna.
A coordenadora do comitê de CVCs da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), Gabriela Toribio, também diretora do hub de inovação Wayra Brasil e do CVC Vivo Ventures, calcula em torno de R$ 2,5 bilhões alocados em fundos de investimento e participação (FIPs) locais neste formato. Um exemplo é da B3, que criou a L4 com capital de R$ 600 milhões. Já comprometeu 10% na sueca Vermiculus, especialista em soluções para bolsas; na israelense Bridgewise, com relatórios de pesquisa para 44 mil empresas em sete línguas; na plataforma inglesa de criptomoedas e ativos digitais para investidores institucionais Parfin; e na brasileira Teva, provedora de índices para investidores passivos, conforme detalha Pedro Meduna, sócio e colíder da L4 Venture Builder.
A Oxygea, da Braskem, mira de descarbonização a novos materiais, economia circular e indústria e logística 4.0, com US$ 150 milhões, dos quais US$ 100 milhões para CVC e o resto em aceleração e venture building, diz Artur Faria, CEO da Oxygea. Em junho selecionou seis startups para aceleração no Oxygea Labs: Growpack, especialista em biomateriais para embalagens; BioReset, de polímeros biodegradáveis com base em resíduos industriais; Embeddo, de sensoriamento; Logshare, de colaboração em logística; Cognitive, que usa computação de borda para fins industriais; e IQX, com solução para reciclagem complexa.
A Suzano estabeleceu a Suzano Ventures no exterior em 2022, com US$ 70 milhões para inovação em uso de biomassa de eucalipto, embalagens sustentáveis, tecnologia florestal e negociação de carbono. Já tinha investido na finlandesa Spinnova e colocou mais 5 milhões de euros em sua planta de fibra têxtil à base de biomassa. A iniciante britânica Allotrope levou US$ 1,8 milhão, com foco na substituição de níquel e cobalto por derivado de eucalipto em baterias. Além disso, Brasil, Canadá e China sediam programas de aceleração, diz Julio Raimundo, diretor da Suzano Ventures.
![Gabriela Toríbio, da Abvcap e Wayra: R$ 2,5 bilhões alocados em fundos de investimento e participação (FIP) para inovação aberta — Foto: Vagner Medeiros/Divulgação](https://s2-valor.glbimg.com/Yws5XG-2w9BJfgKAqYENXpQsFHs=/0x0:1500x1000/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/3/d/RkoFAhS9W3BWR32zQB2Q/030-financiamento-gabriela-20toribio-abvcap-20e-20wayra.jpg)