País necessita estratégias mais potentes de conservação

Para especialistas, apoio ao pequeno produtor é essencial para evoluir na economia de baixo carbono

Por Sergio Adeodato — Para o Valor, de São Paulo


O Brasil é um dos cinco maiores produtores de alimento do mundo. Com 24,8% do PIB nacional e exportações de US$ 159,09 bilhões em 2022, um terço maior que no ano anterior, o agronegócio é chave na economia, mas um paradoxo no cenário da fome, que atinge 33 milhões de brasileiros, conforme levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). Parte expressiva afeta quem produz o maior volume dos itens da cesta básica no campo, os pequenos produtores, vulneráveis às mudanças climáticas - no país, resultado, principalmente, do uso da terra e desmatamento, que por sua vez tem raízes na agropecuária.

O quadro mobiliza o debate nos primeiros meses da nova gestão federal e mandatos no Congresso Nacional e Estados, na busca do desenvolvimento que concilie produção e conservação ambiental, com menos desigualdades. “A sinalização é positiva, mas precisamos mostrar redução do desmatamento por meio de uma agenda integrada de desenvolvimento, o que até hoje nunca conseguimos”, adverte Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú e cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

A estratégia da organização, criada em 2015, hoje com mais 300 empresas e instituições ligadas ao uso da terra, é contribuir nessa coordenação de esforços, diz Piazzon. O anúncio de levar a emergência climática ao centro das decisões em 19 pastas federais, além dos bancos públicos, bem como a criação de um ministério específico para a temática indígena e a retomada do Fundo Amazônia e da diplomacia para acesso a recursos externos na área socioambiental, indica o tom inicial do governo.

“Será necessário diálogo no Congresso Nacional com grupos contrários à pauta ambiental para busca de convergências em legislações prioritárias”, ressalta Piazzon, que participou do evento “Cem Dias de Governo: Perspectivas para a Agenda Agroambiental no Brasil”, realizado no dia 27, pelo Valor em parceria com a Coalizão Brasil.

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“Não há como falar de combate ao desmatamento sem olhar para o desenvolvimento”, afirma Piazzon. Entre os temas sensíveis que tramitam no Legislativo estão o licenciamento ambiental (PL 2.159) e a regularização fundiária (PL 510, de 2021). Estima-se que 29% da Amazônia, cerca de 1,43 milhão de km2, não possui destinação fundiária, o que facilita a contínua ocupação de terras públicas pela grilagem. Cerca de 40% do desmatamento ocorre nessas áreas, conforme estudo do projeto Amazônia 2030. “Zerar o desmatamento e realizar o ordenamento territorial da Amazônia são fundamentais para o desenvolvimento da região e do Brasil”, alerta o documento.

No Legislativo há, ainda, o projeto que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica (PL 1.150) e a iniciativa que altera o prazo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do plano de recuperação de floresta nas propriedades (PL 1151) - até o momento, somente 1,8 milhão de 6 milhões de cadastros foram validados de acordo com o Código Florestal. Em paralelo, a derrubada de floresta nos três primeiros meses deste ano equivaleu a quase mil campos de futebol por dia, no total de 867 km2, e só não foi pior do que em 2021, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

O desmatamento continua fora de controle devido a áreas ‘contratadas’ nos anos anteriores”, diz Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), prevendo que os números demorarão algum tempo para refletir as atuais medidas de controle, como os embargos de áreas desmatadas e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Essa política, com consulta pública finalizada em abril, inclui instrumentos de finanças verdes, promoção da bioeconomia e rastreabilidade da origem legal de produtos.

“Caiu a ficha que estamos em emergência climática”, afirma Ana Toni, secretária nacional de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. “Mais do que acordos bilaterais entre países, com olhar no que os outros fazem e no que podemos fazer, hoje é de nosso próprio interesse ter metas climáticas ambiciosas e reposicionar o país diante das oportunidades”, diz. Segundo ela, “é preciso recuperar o tempo perdido, porque perdemos quatro anos e o mundo deu passos gigantes”.

Na análise de Toni, o desafio não é somente tecnológico: “É chave ter planos robustos de descarbonização e conservação, casados com a economia e inclusão social”. Para Eduardo Assad, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGVAgro), uma transição justa requer auxílio a pequenos produtores. Só 38% deles têm declaração de aptidão ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “Enquanto 500 mil grandes produtores rurais detêm 50% da renda no campo, os 4 milhões de pequenos representam 4%”, informa o pesquisador.

Essa fatia menos favorecida tem acesso a somente um quarto do Plano Safra, que neste ano incorporará critérios do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) como padrão para a agricultura de um modo geral, com práticas sustentáveis. Desde 2018, diz Assad, os impactos da mudança climática causaram entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões de prejuízos para soja e milho no Sul do país, em cenário no qual “a agricultura familiar é a mais atingida”.

Conservação do solo e sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) são medidas de mitigação. “Com a recuperação de pastos degradados, ao custo de R$ 300 bilhões, é possível reduzir em até 40% as emissões no campo”, revela Assad, com base em estudo da FGV-Agro. “Já temos conhecimento científico; falta empresas e finanças avançarem no processo”, aponta o pesquisador.

O crescimento da área ocupada por atividades agropecuárias no Brasil foi de 44,6%, em trinta anos, segundo o MapBiomas, plataforma que emite alertas semanais de desmatamento reunindo dados dos vários sistemas de controle existentes no país. A inteligência artificial eleva a segurança do controle. “É crescente o uso por órgãos ambientais para embargos remotos, Ministério Público, ONGs e bancos para liberação de crédito agrícola”, revela o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa.

Desde fevereiro, quando começou a utilizar essa base de dados, o BNDES negou 58 pedidos de empréstimos que somavam R$ 24,8 milhões e seriam destinados a imóveis rurais com desmatamento em 14 Estados, no total de quase mil hectares.

“Olhamos para uma ocupação mais sustentável do território”, destaca Taciano Custódio, head de sustentabilidade do Rabobank Brasil, com operações junto a 300 empresas e 1,3 mil grandes produtores rurais. Em sua análise, aumentar a eficiência e rentabilidade, com necessidade de menos áreas, é essencial para viabilizar investimentos ambientais, como a restauração de floresta. “Com a maturidade na análise de riscos, identificamos oportunidades na transição das propriedades para o baixo carbono, em que grandes produtores influenciam os pequenos”, observa Custódio. O combate ao desmatamento, diz, requer a “redução da pobreza que ainda prevalece no meio rural”.

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