Praticamente congelado durante a gestão de Jair Bolsonaro, o Fundo Amazônia voltou aos holofotes este ano. Teve a governança restaurada, uma exigência dos doadores, e, em abril, foi anunciada a entrada dos Estados Unidos, com a promessa do presidente Joe Biden de contribuir com US$ 500 milhões. A verba deve ser aplicada em ações de combate ao desmatamento na Amazônia e em outros biomas, na transição energética e no combate às emissões de metano, um dos principais gases de efeito estufa.
Criado pelo Decreto Federal 6.527, de 2008, o fundo tem uma carteira de 102 projetos no valor de R$ 1,7 bilhão. Os desembolsos somam R$ 1,5 bilhão. Trata-se de um dos principais mecanismos de pagamentos por resultados de redução de emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal, conhecido no jargão climático como REDD+.
A retomada do Fundo Amazônia foi oficializada por um decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro dia de governo. Em fevereiro, foi restaurado o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), principal instância de governança do mecanismo, formado por membros do governo federal, representantes dos governos dos Estados da Amazônia Legal e da sociedade civil. Foi o primeiro encontro do comitê desde 2018, já que o fundo foi paralisado no ano seguinte devido a divergências entre os governos da Noruega e Alemanha, principais doadores, e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Na retomada, o comitê decidiu concentrar o apoio inicial do Fundo Amazônia para o enfrentamento do desmatamento da região, que segue alto, e à crise humanitária e sanitária de populações indígenas e comunidades tradicionais, com ações intersetoriais em alimentação, saúde e educação. Também houve a retomada imediata do processo de análise dos 14 projetos que haviam sido paralisados em 2019 e o restabelecimento do Comitê Técnico (CTFA), formado por membros da comunidade científica.
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Desde 2009, o fundo já recebeu R$ 3,4 bilhões, sendo 93,8% provenientes do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha, além de 0,5% da Petrobras. Em dezembro de 2022, o governo alemão formalizou com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gestor do Fundo Amazônia, uma nova doação de € 35 milhões, que devem ser injetados ao longo de 2023.
Segundo o BNDES, o mecanismo contribuiu, ao longo dos anos, para a manutenção da floresta em pé e foi responsável pela condução de mais de 1.700 ações de fiscalização, que permitiram a inscrição de 1,1 milhão de propriedades rurais localizadas na Amazônia Legal no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Na área de fomento a atividades produtivas sustentáveis, foram beneficiadas 200 mil pessoas; os projetos apoiados pelo fundo promoveram intervenções em 190 Unidades de Conservação (UCs) e 101 Terras Indígenas (TIs), alcançando 59 mil indígenas.
A retomada da análise dos projetos tem sido célere, segundo Adriana Ramos, especialista em políticas ambientais do Instituto Socioambiental (ISA) e membro do Cofa. “É muito animadora a retomada do fundo. Há pressa de fazer o fundo voltar a funcionar o mais rápido possível, considerando a importância dele para apoiar os órgãos públicos”, afirma.
A participação dos EUA também deve dar novo impulso aos projetos, uma vez que ficou acordado que os recursos vão seguir as normas definidas pelo Brasil, e não pelos EUA, como é de praxe. “Esse anúncio é bem-vindo porque fortalece o fundo e faz com que a cooperação americana reconheça as diretrizes e prioridades do governo brasileiro”, diz a conselheira.
Assinado em dezembro de 2018, o projeto Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), operado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escapou por um triz de ser inviabilizado no governo Bolsonaro. Conta com recursos de R$ 61 milhões a serem gastos até 2024, sendo R$ 40 milhões do Fundo Amazônia e o restante investido pela Fundação Gordon e Betty Moore, criada pelo fundador da Intel.
O projeto abrange 34% do território das áreas protegidas da Amazônia e atua como articulador e gestor técnico-financeiro da rede de parceiros e também como executor direto de ações no território, que incluem fomento a 13 cadeias de produtos extrativistas da região, que totalizam 44 negócios de base comunitária.
Fabiana Prado, coordenadora do Lira, diz que os recursos do fundo custeiam os projetos mais robustos e que envolvem a construção de infraestrutura e equipamentos para processamento de matérias-primas amazônicas; e também o fortalecimento das instituições da região, o que inclui a formalização de cooperativas. No entanto, como o processo de análise do BNDES é bastante rigoroso, acaba barrando projetos que poderiam ser efetivos para as comunidades.