O que as empresas estão fazendo para impulsionar a liderança feminina

Monitoramento de gênero avança nas empresas mas ainda é o primeiro passo, aponta pesquisa WILL/Ipsos

Por Stela Campos — De São Paulo


Neste ano 85% das 207 empresas que participaram da pesquisa “Mulheres na Liderança”, que avalia as companhias com as melhores práticas para a ascensão feminina a cargos de liderança, afirmaram ter aumentado o monitoramento da proporção de homens e mulheres em seus quadros. Isso significa um crescimento de 20 pontos percentuais em relação à última edição do levantamento, em 2021. Um avanço significativo na comparação com o índice de 65% alcançado na primeira edição do estudo há cinco anos. “O monitoramento passou a ser uma métrica séria nas empresas. É uma grande vitória para a equidade de gênero”, afirma Silvia Fazio, presidente da WILL (Women in Leadership in Latin America), ONG que coordena a pesquisa junto com o Valor. O estudo segue a metodologia do Instituto Ipsos e é realizado em parceria com “O Globo”, “Época Negócios”, “PEGN” e “Marie Claire”.

Outro dado importante da pesquisa deste ano diz respeito à conscientização de todos os funcionários sobre a importância dos valores de diversidade e inclusão citada por 88% das empresas. Esses avanços de monitoramento e conscientização, contudo, devem ser vistos com ponderação, segundo Fazio. “A implementação de ações mais complicadas e que requerem mais tempo ainda não cresce na mesma velocidade”, afirma Priscilla Branco, gerente sênior do Ipsos. “O assunto está na agenda das lideranças, mas ainda é um tema novo para muitas empresas que estão em fases distintas de implementação dessas práticas”. Fazio ressalta que essa evolução nas ações, ainda que gradual, reflete mudanças importantes na sociedade que não têm mais retorno.

O fato de, pela primeira vez, um número maior (53%) de companhias nacionais participarem do estudo, segundo Fazio, chama atenção. “Não estamos apenas importando práticas internacionais”, assinala. A média de pontuação nos seis eixos temáticos analisados na pesquisa, das empresas que participaram em 2021 e da atual edição, subiu de 86,2 para 94,9. O aumento deste ano é um indício de maior comprometimento das organizações. “Dentro da agenda ESG, isso significa olhar para o “G”, de governança, se comprometer, ter metas, dar transparência aos resultados e ver em quanto tempo vai conseguir atingi-las”, diz Branco. Um dado positivo da pesquisa atual é que 76% das companhias informaram possuir uma área ou instância específica com orçamento próprio para garantir a implementação de ações para a promoção da diversidade, avanço de 4 pontos percentuais em relação à última edição.

Na pesquisa, 88% das empresas afirmaram ter feito ações para a conscientização dos funcionários sobre a importância dos valores de diversidade e inclusão — Foto: Pexels

Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional e liderança do Insper, observa que a pauta da diversidade está de fato avançando, como indica a pesquisa. O levantamento mostra que 71% das empresas são signatárias de compromissos em prol da igualdade de gênero e 77% têm posicionamento público da liderança acerca de questões sobre equidade e diversidade. Na opinião de Iwai, embora as empresas estejam mais atentas a essas questões, algumas estão apenas respondendo a pressões externas. “É como se fizessem um check. Sim, eu monitoro as diferenças salariais, dou treinamento sobre vieses inconscientes, auxílio creche e faço ações pontuais isoladas”, afirma. Para ela, isso é um tipo de “gestão de impressão”. “É como se elas estivessem fazendo a sua parte, mas ainda em um estágio reativo dentro dessa agenda”, diz.

Ela cita o exemplo das questões relacionadas a maior equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, o worklife balance. “É preciso investir em benefícios mais sofisticados e de forma intencional”, diz. Pouco mais da metade (52%) das companhias oferecem opções de trabalho flexível para as mulheres. “A carga de trabalho é uma questão crítica para a mulher, mas não dá para fazer treinamentos e não chamar os homens para a discussão. Não dá para empoderar a mulher no programa e depois deixar que ela volte para o seu dia a dia, para a mesma realidade, sem que nada tenha mudado, isso só vai piorar as coisas. Ao tirar a mulher do trabalho para um treinamento que não gerou resultados práticos, a empresa só gera mais uma sobrecarga para ela”, diz. O levantamento este ano mostra que sete em cada dez companhias pesquisadas estão desenvolvendo treinamentos específicos para mulheres.

Flávia Muniz, especialista em empoderamento econômico na ONU Mulheres, lembra que depois da pandemia temos a menor participação feminina no mercado de trabalho dos últimos 30 anos. “Quase metade das mulheres com filhos são demitidas sem justa causa depois de dois anos”, afirma.

Muniz assinala que tanto o governo como as empresas privadas, de alguma forma, perpetuam a lógica de que as mulheres ficam para trás por serem naturalizadas como as principais cuidadoras da família. Na pesquisa, 49% das companhias que adotam as melhores práticas disseram que fazem campanhas de conscientização sobre a divisão das tarefas domésticas e/ou paternidade responsável. Esse pode ser um primeiro passo para ajudar a mudar a percepção vigente.

Em relação à política de remuneração com equidade entre gêneros, a pesquisa mostra que 73% das companhias têm procedimentos formais e claros de aumento salarial e que seis em cada dez empresas possuem métricas de monitoramento da equiparação salarial entre homens e mulheres. Muniz vê com bons olhos o projeto de lei anunciado pelo governo federal em 8 de março, que prevê a equiparação de remuneração para quem realiza a mesma função. “A Constituição já previa isso, mas se você não tiver políticas públicas que enderecem isso diretamente, a gente vai ficar muitos anos mais tentando diminuir esse gap”, diz. Ela lembra que existe um déficit de 25% entre o salário de homens e mulheres no Brasil e, quando se faz um recorte racial, as mulheres pretas e pardas, que cursaram as mesmas universidades que homens brancos, recebem até 40% a menos.

— Foto: I

Sobre ações voltadas para mulheres pretas e pardas, a pesquisa deste ano mostra que, entre as interseccionalidades, essa foi a que mais avançou, com mais da metade das companhias (53%) incluindo ferramentas para denúncia de racismo. Embora 44% estejam monitorando a proporção de mulheres pretas ou pardas em seus quadros, apenas 16% têm metas numéricas de contratação.

A ativista Dani Jesus, diretora de RH da agência Wieden + Kennedy Brazil, diz que é preciso aumentar o repertório dos recrutadores em relação ao desenvolvimento das candidatas pretas ou pardas. “O ‘job description’ precisa mudar, temos que entender quais habilidades são necessárias e quais são possíveis de se desenvolver. Os processos ainda são muito excludentes e voltados para uma elite branca”, afirma. “Quando você muda a régua, pode encontrar pessoas com outras habilidades importantes.”

Para Iwai, do Insper, os treinamentos sobre vieses inconscientes nos processos de contratação precisam avançar em relação ao seu impacto no dia a dia, com uma maior responsabilização dos gestores. O que deveria valer para todas as interseccionalidades, como mulheres trans, pretas e pardas, não-brancas, não heterosexuais e PCDs. Ela ressalta que essa responsabilização deveria se estender aos programas de mentoria e patrocínio (sponsorship). “Se você colocar metas para que os executivos mais seniores incluam suas mentoradas em projetos, essa será uma oportunidade para que elas ganhem musculatura e repertório de uma maneira mais competitiva”, diz.

Ter mais mulheres em cargos de liderança ainda parece um grande desafio para as organizações. Na pesquisa, 59% têm metas para reduzir a diferença na proporção entre homens e mulheres ocupando cargos de gerência e executivos e 42% possuem uma meta que visa equilibrar a presença de homens e mulheres em diretorias e vice-presidências. “Quando falamos que as mulheres estão em situação de liderança, estamos falando geralmente da média gerência. Queremos que se construa uma perspectiva de carreira para que elas cheguem a ser CEOs”, diz Muniz, da ONU Mulheres. “Em 90 empresas do Ibovespa existem apenas duas CEOs e 20% das companhias ainda têm coragem de dizer que não têm nenhuma mulher no conselho”, afirma.

Na pesquisa “Mulheres na Liderança”, apenas 15% das empresas disseram incorporar metas para ter um percentual mínimo para equilibrar o número de mulheres e homens nos conselhos. “Muitas métricas e políticas se dão na gestão corporativa dos conselhos, na influência dos acionistas nas assembleias ou quando estão vendo a matriz de competências quando abrem uma vaga”, explica Gabriela Baumgart, presidente do conselho do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Para aumentar a presença feminina nos colegiados, segundo ela, é preciso aumentar a diversidade não apenas na base da pirâmide, mas dar condições para que mais mulheres cheguem a cargos de liderança. O que requer uma jornada de sensibilização sobre os planos de ação, com a criação de metas e um direcionamento para que haja efetividade nessa estratégia. “Essa não é mais uma agenda individual”, complementa.

Veja a metodologia em www.valor.globo.com

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