Empresas buscam alternativas para tratar efluentes

Indústrias despejam, sem qualquer beneficiamento, cerca de 60% de seus resíduos líquidos em corpos d’água e redes de esgoto

Por Lúcia Helena de Camargo — Para o Valor, de São Paulo


Taise Beduschi, da Malwee: “Devolvemos ao rio o excedente do efluente tratado com qualidade de água superior à da retirada original” — Foto: Divulgação

O total de efluentes industriais que recebem tratamento adequado antes de serem descartados de volta na natureza não chega à metade do produzido. A Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre) estima que são despejados em corpos d’água e redes de esgoto, sem qualquer beneficiamento, cerca de 60% dos resíduos líquidos gerados pelas indústrias brasileiras. Os números em litros (ou metros cúbicos) ainda são desconhecidos. Segundo Luiz Gonzaga, presidente da Abetre, a entidade entregará nas próximas semanas ao Ministério do Meio Ambiente o software que permitirá executar uma medição precisa do volume dos efluentes. “Em um ou dois anos teremos uma base de dados confiável”, prevê.

A escassez hídrica, legislações mais rígidas e a cobrança do público são fatores que têm levado as empresas a se empenhar na busca por soluções para tratamento de efluentes. “A conjuntura trazida pelas mudanças climáticas obriga as companhias a adotar uma gestão hídrica mais eficiente”, diz Márcio da Silva José, diretor-presidente do Aquapolo Ambiental, empresa que acaba de completar dez anos de fundação e já figura como o maior empreendimento de produção de água reciclada para uso industrial na América Latina, e o quinto maior do planeta. Em uma década, a companhia produziu 108 bilhões de litros de água reciclada.

Com investimento inicial de US$ 100 milhões, dos quais 90% provenientes de emissão de debêntures, o Aquapolo é controlado pela GS Inima Industrial e Sabesp. O complexo instalado no polo petroquímico da região do ABC paulista tem entre os clientes Braskem, Cabot, White Martins, entre outras. “A indústria da região deixa de competir por água potável”, diz. “A solução para a questão da água é a implantação da economia hídrica circular”, defende o diretor.

Projetada para fornecer mil litros por segundo, a planta produz atualmente cerca de 400 litros por segundo, que seriam suficientes para abastecer uma cidade de 300 mil habitantes. Para diminuir a ociosidade do sistema, a empresa busca licenciamento para fornecer água reciclada para uso em fins urbanos, como irrigação paisagística, zeladoria de praças e ruas, construção civil e sistemas de combate a incêndios.

O Aquapolo foi considerado uma das 13 empresas mais inspiradoras do planeta em 2022 pela respeitada Associação Internacional da Água (IWA, na sigla em inglês), entidade inglesa referência mundial na área de água e saneamento. “Em relação à geração de efluentes, a indústria deve pensar no reúso não apenas para poupar a natureza, mas também para reduzir os custos”, afirma o engenheiro Lineu Andrade de Almeida, consultor da Fundação Vanzolini.

De acordo com ele, que participa da elaboração de estudos sobre tratamento de efluentes para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o preço da água de reúso destinada ao setor industrial no Brasil fica entre R$ 1,50 a R$ 2,70 por metro cúbico, compreendendo desde tratamentos biológicos básicos, com lodos ativados, até a sofisticada osmose reversa. A conta muda de acordo com a tecnologia utilizada, a localização da planta e a capacidade instalada, entre outros parâmetros.

O Grupo Opersan, que faturou R$ 125 milhões em 2022 e projeta chegar a R$ 150 milhões em 2023, fornece há 30 anos soluções para tratamento de efluentes ao mercado corporativo. Diogo Taranto, diretor de desenvolvimento de negócios da empresa, porém, segue reticente sobre as motivações que levam as companhias a melhorar a gestão hídrica. “Há um movimento de indústrias que procuram melhorar a gestão hídrica, mas a maioria só quer cumprir as exigências legais”, afirma.

De todo modo, a tarefa não é fácil, já que são muitas as leis, nas três instâncias governamentais, que visam regulamentar o uso e o descarte da água. Entre as mais recentes está a lei 14.026/2020, que aumenta o papel dos municípios e empresas privadas, prevendo mais punições e multas a quem causar poluição às águas. “A legislação ambiental brasileira peca por não ter uma definição clara dos parâmetros críticos para efluentes”, aponta Taranto. Assim, a indústria precisa buscar conformidade em relação às regras vigentes no local em que deseja operar. A definição que vale para todo o território nacional é que a água reciclada precisa ter, necessariamente, qualidade igual ou superior à do corpo d'água no qual será lançada.

O Grupo Malwee, que atua no ramo de confecções, já atingiu a meta. “Devolvemos ao rio o excedente do efluente tratado com qualidade de água superior à da retirada original”, garante Taise Beduschi, gerente de sustentabilidade da companhia. No último ano, a empresa investiu R$ 8 milhões na manutenção dos sistemas de filtração, implantados em 2002 com aporte de R$ 17 milhões. Segundo Beduschi, em 2022 foram reutilizados cerca de 130 milhões de litros de água, que representam 16% do total do consumo na operação. A gestão hídrica da empresa tem como diretriz, de acordo com a gerente, a poupança da água. “Economizamos até 98% de água na produção de uma calça jeans. Usamos apenas três litros de água para lavar a peça, enquanto uma lavanderia tradicional gasta cerca de 60 litros”, compara.

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