Países escolhem entre riscos atuais ou futuros

Os impactos climáticos são cada vez mais caros e governos divergem entre a urgência atual e as demandas do futuro

Por Daniela Chiaretti — De São Paulo


Izabella Teixeira, ex-ministra: “Ficou clara a tensão geoclimática que existe entre os problemas atuais e os que virão.” — Foto: Wenderson Araujo/Valor

“A COP27 revelou a tensão entre o 1,2°C e o 1,5°C, entre o curto e o longo prazo”, resume a ex-ministra Izabella Teixeira, que foi uma das conselheiras da presidência da conferência sobre mudança do clima da ONU concluída há poucos dias em Sharm El-Sheikh, no Egito. Ela traduz: “O 1,2°C é o aquecimento que se tem hoje, ou seja, as demandas para enfrentar as dificuldades com os impactos climáticos atuais. O 1,5°C é o longo prazo, é como evitar que esses problemas se multipliquem”. Em outras palavras: o cobertor ficou curto.

“Ficou clara a tensão geoclimática que existe entre os problemas atuais e os que virão. Isso está na mesa”, diz a ex-ministra. O curto prazo é a necessidade de se lidar com os países que já sofrem graves perdas e danos e a urgência de se adaptar aos impactos. “O outro ponto é atender à recomendação da ciência e conter o aquecimento em, no máximo, 1,5°C até o fim do século”, diz Izabella. Quem sofre hoje queria que a COP27 decidisse sobre um fundo de perdas e danos. Quem teme o amanhã busca conter o aquecimento e evitar reações em cadeia logo mais.

Os europeus, no final da conferência, quiseram condicionar o apoio à decisão de se criar um fundo de perdas e danos à ampliação dos doadores e ao aumento da ambição, mas as duas condicionantes não foram aceitas. As finanças climáticas não chegam. Os famosos US$ 100 bilhões ao ano, prometidos pelos países ricos aos em desenvolvimento a partir de 2020 estão em US$ 83 bilhões, diz a OCDE.

Manifestação na COP 27 de quem mais sofre com os impactos climáticos: poucos recursos para as urgências atuais — Foto: Kiara Worth/Divulgação

Para Izabella Teixeira, o debate climático irá entrar na discussão da reforma do sistema de Brenton Woods, a partir de 2023, com a revisão do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e dos bancos multilaterais de desenvolvimento. “Ficou evidente, na COP27, que a discussão de alocação de recursos não se circunscreve mais ao ambiente das COPs. Clima é tema do G 7, do G 20, um debate geopolítico estratégico”, diz ela. “A envergadura do debate climático é ampla. É uma agenda condicionante para o desenvolvimento.”

Um estudo importante lançado no Egito foi o relatório “Finance for climate action: scaling up investment for climate and development” produzido por um grupo global de especialistas (como o brasileiro Joaquim Levy) e coordenado pelo economista britânico Nick Stern. O estudo diz que serão necessários US$ 1 trilhão ao ano até 2025 alcançando US$ 2,4 trilhões anuais em 2030 para se descarbonizar países em desenvolvimento (sem considerar a China), além de restaurar a natureza, investir em adaptação e nas perdas e danos dos impactos climáticos.

É a primeira vez que se calculam investimentos necessários nos países em desenvolvimento para que se cumpram as metas do Acordo de Paris em energia, natureza e adaptação/perdas e danos.

O investimento de US$ 1 trilhão anual nas economias emergentes e nos países em desenvolvimento - à exceção da China- até 2025 representa 4,1% do PIB em comparação com 2,2% do PIB em 2019. Já os US$ 2,4 trilhões anuais a partir de 2030 equivalem a 6,5% do PIB.

O estudo recomenda a elaboração de um roteiro global em finanças climáticas para que se mobilize US$ 1 trilhão em 2030. O mundo tem dificuldades em aportar dinheiro público para que países em desenvolvimento façam a transição energética e se livrem da dependência aos combustíveis fósseis. Para agravar o quadro, nas COPs, o lobby da indústria do carvão, petróleo e gás tem crescido em influência.

Em Glasgow, na COP26, aprovou-se o texto que incluía a redução no consumo de carvão, mas no Egito a mensagem sofreu um recuo. “Ficou claro que a guerra na Ucrânia redefiniu a questão do uso de combustíveis fósseis no curto prazo e permitiu o ressurgimento de uma voz política forte dos países produtores de petróleo, particularmente os árabes”, diz uma fonte. “Quem bloqueou o acordo em Sharm, nos bastidores, era a turma do petróleo”. Havia mais de 600 lobistas do setor de carvão, petróleo e gás na COP27.

“Atuar em clima é transformar nossas economias, particularmente os nossos sistemas energéticos, através do investimento em net-zero, adaptação, resiliência e capital natural”, diz o texto do estudo de Stern. “Conseguir essa transformação não será fácil. Requer forte investimento e inovação e a escala adequada de financiamento do tipo certo e no momento certo”.

Relatório recente da AON, empresa especializada em análise e gestão de riscos, estima em US$ 227 bilhões as perdas econômicas por eventos extremos em 2022 contando a seca na Europa, a devastação do furacão Ian em Cuba e no sudeste dos EUA, as enchentes na Índia e Paquistão e as chuvas no leste da Austrália. Este valor ilustra o quanto o fundo de perdas e danos”, que a COP27 tomou decisão histórica de criar, precisa ter, para começar a compensar os prejuízos climáticos.

Cientistas de várias partes do mundo divulgaram, na COP27, o relatório anual sobre os dez novos insights na ciência climática. O estudo indica que em 2050 haverá três bilhões de pessoas vivendo em “hotspots de vulnerabilidade”, um número que é o dobro do atual.

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