De volta ao jogo

Países adiaram negociações difíceis, mas Brasil deve recuperar protagonismo nas conferências do clima

Por Andrea Vialli — Para o Valor, de São Paulo


Alardeada como a COP da implementação dos compromissos climáticos, a 27ª conferência do clima das Nações Unidas, a COP27, realizada em Sharm El Sheikh, no Egito, entregou pouca ambição e jogou para frente tarefas de difícil negociação, como a redução gradual dos combustíveis fósseis e a efetivação da prometida ajuda de US$ 100 bilhões ao ano para os países em desenvolvimento realizarem sua transição energética.

A conta da descarbonização, por sinal, está longe de fechar: serão necessários, por ano, de US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões para colocar o mundo na rota da economia de baixo carbono e evitar que a temperatura média global se eleve acima de 1,5ºC, objetivo maior do Acordo de Paris, firmado em 2015. Para isso, as emissões de gases de efeito-estufa precisam cair 45% até 2030, em relação aos índices de 2019. Na trajetória atual, o mundo caminha para uma elevação de 2,5ºC da temperatura média até o fim do século.

Leia a íntegra do caderno especial COP27

O Brasil entrou na COP27 com a participação dividida em três pavilhões - o oficial, do governo federal; o da sociedade civil e o do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Mas saiu com a promessa de retomar o protagonismo nas conferências ambientais e fazer a lição de casa: cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris e na Escócia, em 2021. À frente da delegação oficial, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, teve participação discreta e foi embora antes do fim. Já o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que foi à COP a convite do presidente egípcio Abdel Fatah al-Sissi, atraiu os holofotes internacionais.

Lula discursou em um painel organizado pelo consórcio dos governadores da Amazônia Legal e afirmou que “não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos biomas até 2030” e que o combate à mudança climática terá “o mais alto perfil” na estrutura do novo governo. Também reforçou que o país está aberto à cooperação internacional na questão climática, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. O presidente eleito participou ainda de encontros multilaterais e com representantes da sociedade civil, além de manter uma equipe de transição bastante ativa na cúpula, com duas ex-ministras do Meio Ambiente, Marina Silva (2003-2008) e Izabella Teixeira (2010-2016).

“A divisão ficou patente entre o governo que temos e o governo que teremos”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, think tank dedicado à política climática, com sede no Rio de Janeiro. A intenção do novo governo de criar um ministério dos povos originários, fortalecer o combate ao desmatamento, principal vetor de emissões de gases de efeito-estufa; e retomar as negociações com os países doadores do Fundo Amazônia são sinalizações de uma nova postura do Brasil na questão climática. Porém, é preciso que a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), apresentada ano passado na COP 26, em Glasgow, reflita esse novo momento. “A correção da NDC brasileira em 2023 será o carimbo no passaporte para a ação climática, e é condição indispensável que sua atualização seja feita com base no diálogo do governo com a sociedade”, diz Unterstell.

Segundo ela, a NDC deve ser vista como um instrumento de planejamento de políticas públicas e sinalizar, para agentes econômicos e políticos, que o país está na transição para descarbonização da economia. Em Glasgow, o Brasil anunciou a meta de mitigar 50% das emissões até 2030, com base nos índices de 2005.

Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), a participação do Brasil na COP27 teve momentos emblemáticos e trouxe o sentimento de volta ao protagonismo do país com seu ‘soft power’ nas negociações do clima e de que essa agenda é uma questão de Estado, não de governo. A sinalização da intenção de sediar a COP30, em 2025, especialmente na Amazônia - após o governo de Jair Bolsonaro recusar abrigar o encontro em 2019 - reforça essa percepção. “É importante o reconhecimento de que as agendas de clima e biodiversidade se entrelaçam, e o Brasil tem vantagem comparativa em todas elas. É preciso fazer o dever de casa, com o combate ao desmatamento ilegal, nossa grande mácula, e a regulação de um mercado de carbono”, diz Grossi. Como nas COPs anteriores, a mobilização das empresas foi expressiva e teve como ponto alto a manifestação de que o objetivo de se alcançar 1,5ºC é inegociável - alguns países presentes nas negociações buscaram flexibilizar essa meta, o que revelou descompasso entre empresas e governos nas metas climáticas.

Uma resposta veio da coalizão We Mean Business, rede formada por mais de 200 lideranças de empresas globais e que o Cebds integra, que se posicionou perante os negociadores pedindo que a ambição fosse mantida. O G20, reunido em Bali durante a COP27, também reforçou essa postura, aumentando a pressão para a manutenção do objetivo do Acordo de Paris.

A constatação de que o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC está se tornando uma meta cada vez mais difícil de ser alcançada pode explicar o fato de que um dos principais resultados da COP27 foi a criação de um fundo voltado a perdas e danos, que deve ser estruturado a partir do ano que vem.

Um dos grandes desapontamentos da conferência em comparação aos resultados de Glasgow foi que não houve menção à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, fruto da pressão de países produtores de petróleo. “Há um certo reconhecimento de que a temperatura vai subir mais do que se espera e é preciso um plano B, por isso a COP27 trouxe mais aspectos de compensação e adaptação do que propriamente de mitigação”, diz Eduardo Felipe Matias, pesquisador visitante na Universidade Stanford, na Califórnia, e autor do livro “A Humanidade contra as Cordas”, sobre governança global na questão climática. Apesar das forças reacionárias que impedem os países de serem mais arrojados na eliminação dos fósseis, há sinais vindo do setor privado e dos financiadores de que a transição para a economia de baixo carbono é um caminho sem volta - exemplos são as metas corporativas de net zero, os fundos de venture capital que estão aportando em startups de energia limpa e de remoção de carbono - as chamadas cleantechs, ou climate techs - um mercado que cresce 210% ao ano e movimentou US$ 222 bilhões entre 2013 e 2021, segundo a PwC.

Aqui, as oportunidades para o Brasil são relevantes. O estudo A Maratona Amazônica, lançado na COP aponta que, nos próximos oito anos, o país pode se tornar a primeira grande economia de média ou alta renda a alcançar a neutralidade de carbono e, ao mesmo tempo, acelerar seu crescimento. O estudo indica que um plano de desenvolvimento social e econômico voltado à mitigação das emissões, conservação da biodiversidade e infraestrutura com soluções baseadas na natureza pode agregar entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões anuais ao Produto Interno Bruto (PIB).

Só o desenvolvimento da bioeconomia da Amazônia pode destravar um mercado ainda pouco explorado e estimado em US$ 1,3 trilhão, gerando receita adicional de US$ 50 bilhões/ano para a economia brasileira até 2030. “Para isso, será preciso sair da lógica do extrativismo e trabalhar com os pilares de valorização da floresta em pé, agricultura sustentável, industria de baixo carbono e inovação em tecnologia e bioeconomia, mas em uma escala sem precedentes”, diz Patricia Ellen, co-fundadora da Aya Earth Partners e sócia da Systemiq Latam, que conduziu o estudo. Ele reúne pesquisas de um pool de organizações e especialistas, como o climatologista Carlos Nobre e a cofundadora do Instituto Igarapé, Ilona Szabó.

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