Capacidade de avanço de lavouras em pastos antigos é incerta

Produção agrícola cresce em áreas recuperadas, mas demanda crescente por alimentos eleva pressão para plantar em áreas novas

Por Carlos Raíces — Para o Valor, de São Paulo


Celso Moretti, presidente da Embrapa: expansão de lavouras de soja tem ocorrido especialmente em ex-pastagens — Foto: Divulgação

É grande no agronegócio a percepção de que o Brasil conta com muito espaço para crescer a produção de grãos com uso de novas tecnologias e incorporação de áreas de pastagens subutilizadas. A forte demanda por alimentos no mundo é o principal insumo dessa tendência.

“O Brasil tem importância no aumento da oferta mundial de alimentos”, diz Celso Moretti, presidente da Embrapa. “Temos visto aumento de produtividade na vertical (mais grãos, carne, leite e floresta em uma mesma área) e também na horizontal, pela incorporação de pastagens na agricultura”, completa. Cálculos da empresa apontam que existem no país ao redor de 90 milhões de hectares de pastagens consolidadas que podem ser incorporadas à agricultura via sistemas de integração de plantio.

“As áreas mais recentes de expansão são prioritariamente advindas da transformação de pastos em lavouras de soja. Cerca de 90%. Outros 10% têm ocorrido ou em substituição de outras lavouras, como arroz no Sul e cana no Sudeste, ou pela abertura de Cerrado na Bahia, Piaui, Maranhão e Tocantins”, diz André Pessoa, da Agroconsult. “Nos próximos 20 anos a gente vai ver aumento de área plantada, de 2% a 3% ao ano”, concorda o diretor-executivo da Abramilho, Glauber Vieira. Segundo Pessoa, crescerá “por uma razão econômica simples. É mais barato usar área já desmatada, com boa aptidão do que abrir Cerrado nativo”.

Com novas tecnologias e novas áreas, o país caminha para a colheita de mais uma safra recorde na próxima temporada de verão, resultado de um clima mais favorável, apesar da permanência do fenômeno La Niña, e do avanço da produtividade. Segundo o levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgado no início de outubro, o país deve colher 312,3 milhões de toneladas na safra 2022/2023, 15,3% acima dos 270,8 milhões colhidos na temporada 21/22. Ainda existem dúvidas sobre esse volume dado que a safra das principais culturas ainda estão em fase inicial de plantio, com certo atraso especialmente na semeadura da soja no Sul do país por conta das fortes chuvas.

Moratória da soja está em vigor na Amazônia, mas proposta de desmatamento zero divide produtores

Soja segue sendo o carro chefe da produção nacional de grãos. Com 152,35 milhões de toneladas previstas (foram 125,54 milhões em 21/22), tem avançado no Centro-Oeste e no chamado Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). É a região que reúne as maiores áreas de pastagem incorporadas para soja e milho. Antes área de pecuária extensiva, fazendas de gado transitam para grãos e em alguns casos para o sistema de Integração Lavoura Pecuária (ILP), que agrega um componente ambiental importante. “Hoje temos 18 milhões de hectares em ILP e ILPF (que inclui plantio de florestas). Em 2012 eram 4 milhões”, diz Moretti, da Embrapa.

Garantir a origem de produto de áreas legalmente autorizadas para o plantio segue sendo um cuidado das indústrias, diz André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). “As grandes empresas do setor têm compromisso público até 2030 com rastreamento”, diz Nassar, que ressalta ainda estar em vigor a moratória da soja para o bioma amazônico. A divergência no setor de soja é sobre a proposta de desmatamento zero. Muitas das empresas do setor são contra. Isso implicaria em exigir desmatamento nos Cerrados, por exemplo, explica uma fonte.

As atenções no setor estão agora para a venda antecipada de parte da safra de soja. Com a alta nos preços dos insumos e instabilidade do valor do diesel, muitos produtores estão com dificuldade em calcular o custo de produção e atrasando a o fechamento de preço para entrega futura. A soja é uma comandante importante do que poder ocorrer com a segunda safra de milho, por exemplo. O atraso no plantio de soja pode causar algum impacto no plantio do milho de inverno, também chamado milho safrinha. Mas poucos acreditam que o efeito será significativo. Em algum momento os produtores devem fechar os negócios para ter recursos para o plantio do milho segunda safra, acreditam os especialistas.

A demanda mundial de grãos deve seguir firme, assim como os preços, por conta do crescimento do consumo de carnes na China, do consumo de alimentos em alta nos Estados Unidos e o impacto na oferta mundial de grão por conta da guerra na Ucrânia. Esse cenário seguirá colocando pressão sobre a incorporação de novas áreas para grãos no Brasil. Apesar da grande oferta de áreas já desmatadas e ocupadas por pastos, alguns especialistas não descartam a ocupação de áreas de floresta no bioma amazônico e especialmente de matas dos Cerrados. “Enquanto houver demanda forte por alimentos e o mercado mundial for comprador, haverá pressão para entrada em novas áreas em todo o país”, diz uma fonte. “Só pressão dos compradores sobre as indústrias e tradings pode frear esse avanço”, completa.

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