Para ser ‘inteligente’, cidade deve capacitar gestão pública

Cópia de projetos cede lugar ao desenvolvimento de soluções

Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo


Maria Teresa Lima, da Embratel: falta de integração retarda avanços — Foto: Divulgação

O mercado de tecnologias para cidades inteligentes deve gerar um faturamento global de US$ 2,1 trilhões até 2024, segundo a consultoria britânica Technavio. Mas, segundo especialistas, apenas recursos financeiros para bancar projetos não são suficientes para garantir que um município ofereça uma melhor qualidade de vida para a população: é crítico ter vontade política, gestores capacitados para a execução dos planos e diagnósticos aprofundados sobre as “dores” das localidades.

“Antes, era comum partir da ideia de ‘como instalar’ as novas tecnologias nas cidades. Agora, a tendência é capacitar os administradores para que busquem no mercado as soluções mais adequadas”, afirma Fernando Gomes de Oliveira Dias Neias, do Poli Angels, grupo de investidores anjos formado por ex-alunos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Na opinião de Mauricio Casotti, gerente de desenvolvimento de negócios do CPQD, companhia do setor de tecnologia e serviços, contar com um ambiente local de inovação pode ser uma das ferramentas de arranque para os gestores municipais. “Uma cidade inteligente não se concentra apenas na prefeitura ou em uma empresa”, afirma. “Ela precisa de um ecossistema de negócios que ajude o município a crescer.”

Nessa linha, Neias destaca o exemplo de Florianópolis (SC), que criou um consórcio de inovação na gestão pública, conhecido como Ciga, com mais de 300 municípios. O objetivo é agir como uma associação para que prefeituras e órgãos públicos façam compras conjuntas de tecnologia, pagando mais barato quando se negocia itens em maior quantidade. “É só um prefeito chegar lá e comprar o que foi adquirido, como câmeras de monitoramento, o que pode facilitar a entrega e a conclusão dos projetos.”

Maria Teresa Lima, diretora executiva da área de governo da Embratel, que fornece soluções para o desenvolvimento de projetos, chama a atenção para as três principais barreiras que travam as ações: a falta de cultura digital nos municípios, a inexistência de integração entre as soluções tecnológicas em uso e o baixo conhecimento técnico das equipes gestoras.

“Para facilitar a parte mais operacional dos projetos nas cidades, o governo federal publicou o Mapa de Governo Digital, que pode servir de orientação para os municípios”, afirma. A ferramenta on-line apresenta 79 indicadores sobre o uso da tecnologia no setor público, baseados em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Casotti, do CPQD, lembra que a diversidade de necessidades nos rincões brasileiros também é um impedimento para a evolução do setor. “Cada projeto é único. Não existe ‘copy and past’ [copiar e colar]”, afirma. “É preciso entender o problema de cada local para pensar nas soluções. E a maioria dos municípios ainda não tem capacidade técnica para desenhar projetos que pavimentem uma cidade inteligente.”

Uma das alternativas para o pouco conhecimento tecnológico, diz Casotti, é explorar mais as vantagens de recursos como o sandbox regulatório. A novidade foi criada com a finalidade de suspender temporariamente a obrigatoriedade do cumprimento de algumas normas em determinados setores, permitindo que empresas possam usufruir de um regime diferenciado para lançar produtos e serviços. “Para a inovação acertar, é necessário errar”, diz. “O município precisa testar novas tecnologias sem comprometer recursos.”

Leopoldo de Albuquerque, presidente Global do Instituto Smart City Business America (SCBA), que atua no desenvolvimento do setor na América Latina, destaca que parte dos gestores públicos não sabe o que comprar para iniciar projetos na área. “A maioria das cidades não tem um plano diretor de tecnologia”, diz. “Os países precisam desenhar um modelo de negócios que possa abarcar as demandas de localidades menores, com melhores opções de financiamento e propostas mais fáceis de serem executadas.”

Lima, da Embratel, afirma que o mercado já disponiliza sistemas de fácil adesão, que podem apoiar as administrações municipais em seus planejamentos. Em junho, a Claro e a Embratel anunciaram uma plataforma que utiliza dados anônimos, obtidos por meio da rede de telefonia móvel da Claro. Uma das facilidades, explica a executiva, é entregar registros do fluxo de turistas nacionais em um município ou região, por períodos. Dados como a duração média das estadias e a origem dos viajantes podem ser obtidos no sistema. “Com isso, os gestores conseguem organizar melhor as cidades turísticas, com ofertas de atrações e hospedagem.”

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