Por hora, Brasil derruba 30 Maracanãs de árvores

Desmatamento cresceu 20% e Amazônia respondeu, sozinha, por 59% da área desmatada em 2021

Por Andrea Vialli — Para o Valor, de São Paulo


Região da Amazônia concentrou 59% da área desmatada no Brasil em 2021 — Foto: Edison Dantas/Agência O Globo

O Brasil perdeu 189 hectares de floresta por hora em 2021, o que equivale a um estádio do Maracanã de floresta derrubada a cada 2 minutos (ou 30 por hora). No total, foi uma alta de 20,2% do desmatamento no ano passado, que atinge todos os seis biomas brasileiros, segundo dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD 2021) da rede MapBiomas, lançado em julho. A Amazônia continua sendo o bioma mais afetado (concentrou 59% da área desmatada), seguido pelo Cerrado (30%) e pela Caatinga (7%). Juntos, os três biomas respondem por 89,2% dos 1,65 milhão de hectares devastados no Brasil em 2021. Mas há perdas em biomas já bastante impactados pela supressão da vegetação, como Mata Atlântica (1,8%) e Pantanal (1,7%). O Pampa, apesar de responder pela menor área (0,1%), quase dobrou o montante desmatado, com alta de 92,1%.

O levantamento validou 69,7 mil alertas de desmatamento em todo o território nacional e avaliou, de forma individual, cada evento de desmatamento ao cruzá-lo com dados de áreas protegidas, autorizações de órgãos ambientais e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Encontrou indícios de irregularidades em 98% dos casos. O maior vetor de pressão sobre as florestas é a agropecuária, responsável por percentuais de desmate acima de 97%. Garimpo, grilagem, expansão urbana e especulação imobiliária são outros motivos para o corte de vegetação.

Os dados mostram que o Brasil caminha na contramão dos compromissos internacionais assumidos no âmbito do Acordo de Paris - entre eles, o Acordo sobre Florestas, assinado por cem países na última conferência do clima das Nações Unidas, a COP 26, em Glasgow, Escócia, que tem o objetivo de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Também caminha para descumprir a meta interna, de zerar o desmate ilegal até 2028.

Na prática, o que se vê em campo é uma “licença para desmatar”, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor. Existem pelo menos três fatores que incentivam a perda de vegetação nativa hoje no Brasil: o desmantelamento dos órgãos de comando e controle, que afrouxou a fiscalização tanto nos órgãos ambientais federais quanto estaduais; as tentativas de enfraquecimento do arcabouço legal ambiental que tramitam no Legislativo e geram a sensação de que as leis vão mudar, com a promessa de anistiar desmatadores; e ainda o discurso de autoridades que estimula proprietários de terras a desmatar com a certeza de que não serão punidos. “Quando um ministro ou presidente afirma que não se pode destruir um trator apreendido em uma operação contra o desmatamento, existe uma legitimação do crime nesse discurso que acaba levando a mais desmatamento”, diz Beto Mesquita, diretor de conservação e políticas da BVRio e membro da Coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura.

A tendência de perda de florestas segue no mesmo ritmo em 2022. A Mata Atlântica, historicamente o bioma mais devastado do Brasil, registrou a supressão de 21,3 mil hectares de mata apenas no primeiro semestre deste ano, conforme o mais recente boletim do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) da Mata Atlântica, consolidado pelo MapBiomas. Segundo Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, há três padrões de desmatamento no bioma: o primeiro é a expansão da fronteira agrícola para conversão em plantios; outro padrão são pequenos desmatamentos de agricultores que “comem” as bordas de remanescentes da Mata Atlântica; e o terceiro é a supressão da vegetação como reflexo da urbanização e especulação imobiliária.

“Existe claramente uma licença para desmatar hoje no Brasil. É uma tragédia que ocorre bem no momento em que o país assinou compromissos internacionais de proteção às florestas e já sente os efeitos das mudanças climáticas”, afirma. Para ele, o Brasil poderia se beneficiar do contexto internacional que direciona recursos financeiros à restauração de florestas. “Hoje temos dados, tecnologias de restauração, um arcabouço legal e capital internacional disposto a investir em reflorestamento. A bola está na cara do gol, mas o Brasil está chutando para trás”, diz.

A não reversão dos altos índices de desmatamento pode penalizar o próprio Estado por omissão e falha em políticas públicas. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o Acordo de Paris como um tratado de direitos humanos. Em julho, a Suprema Corte determinou que o Poder Executivo tem o dever constitucional de alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas.

A ação contra o governo federal foi proposta por quatro partidos políticos com apoio de organizações da sociedade civil. O julgamento foi um marco histórico para a litigância climática no Brasil, pois abre o precedente de que a omissão no uso dos recursos destinados à questão climática é inconstitucional. “Essa é uma sinalização importante de que o poder público tem o dever de implementar medidas concretas para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa”, diz Clara Pacce Pinto Serva, head da área de empresas e direitos humanos do escritório TozziniFreire Advogados. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não atendeu a reportagem.

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