Ações locais tentam proteger a Amazônia

Indígenas usam drones para vigiar invasores e desmatadores na briga para manter a floresta em pé

Por Carin Petti — Para o Valor, de São Paulo


O povo paumari, é uma das etnias que usa drones para monitorar a Amazônia e evitar atividades ilegais, como pesca, mineração e corte de madeira, além de combater focos de incêndios — Foto: Marizilda Cruppe/Divulgação

A Amazônia brasileira já perdeu 17% da sua cobertura natural nativa, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nos últimos 20 anos foram desmatados 30 milhões de hectares, dos quais 1,3 milhão no ano passado - a maior área anual desde 2006. Desde 2019, o desmatamento anual na região ultrapassa um milhão de hectares - o que não ocorria desde 2008, segundo o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Inpe.

“Se a situação continuar como está, chegaremos logo ao ponto de não retorno”, diz Edegar Rosa, diretor de conservação e ecossistemas do WWF-Brasil. “Nesse estágio, a floresta perde a capacidade de gerar chuvas não só na região como no Sul e Sudeste”, afirma. Isso ocorre porque o desmatamento tem impacto no processo de evapotranspiração, que permite às árvores, depois de absorverem a água pelas raízes, “transpirarem umidade” de forma a devolver a água à atmosfera. Essa umidade é, então, transportada para outras regiões pelos chamados rios aéreos. Além de regular chuvas, a floresta desempenha um papel fundamental na regulação do clima global ao armazenar dióxido de carbono e, portanto, diminuir as emissões de gases de efeito-estufa.

Remando contra a maré, ONGs, empresas e universidades vêm se organizando para combater o desmatamento com ajuda de tecnologia e engajamento da população local. Um dos projetos é comandado por Neidinha Suruí, como é conhecida a ambientalista Ivaneide Bandeira Cardozo, filha de seringueiros e mãe de Txai Suruí, a indígena que ganhou fama pelo mundo por seu discurso na abertura da Cúpula do Clima em Glasgow, na Escócia. Parte do trabalho da ativista está retratado no filme “O Território”, vencedor de dois prêmios no festival de Sundance.

Produzido com ajuda de indígenas uru-eu-wau, o documentário retrata o grupo em defesa de suas terras, que cruzam pelo menos doze dos 52 municípios de Rondônia. Para a vigilância, recorrem a drones, cedidos pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, comandada por Neidinha e apoiada pelo WWF- Brasil. Quando detectam atividade ilegal em suas terras, como queimadas e extração de madeira, os uru-eu-wau-acionam a Funai e a Polícia Federal, e informam as coordenadas geográficas dos intrusos, captadas por GPS. “Só que policiais e o pessoal da Funai raramente respondem às denúncias, então cabe aos próprios indígenas expulsar os invasores”, conta Neidinha Suruí.

Além de capacitar indígenas na operação dos drones, a Associação Kanindé treinou 200 deles, de diferentes etnias, na leitura de imagens de satélite, geoprocessamento e combate a incêndios, além de legislação ambiental e indígena. “Nas terras em que atuamos, a floresta continua de pé”, diz ela.

A tecnologia também pode ajudar a combater a criação de gado ilegal na Amazônia. Segundo dados do MapBiomas, a agropecuária ocupa 62,2 milhões de hectares no bioma, dos quais cerca de 55 milhões dedicados ao gado. Desde 1985, 86% das áreas convertidas em pastagem eram de vegetação nativa. “Um dos maiores problemas tem sido a dificuldade do rastreamento do boi ao longo de toda a cadeia produtiva para se verificar se, em algum momento, os animais foram criados em áreas desmatadas ilegalmente”, diz Rosa. E justifica: “É que o bezerro pode nascer em uma fazenda, engordar em outra e ser preparado para o abate numa terceira.” Por isso, uma equipe Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), liderada por pelo professor de gestão ambiental Raoni Rajão, desenvolveu uma plataforma que cruza dados do transporte do gado (informados nas guias de transporte animal, exigidas pela legislação sanitária), desmatamento, localização das fazendas e da legislação. Com essas informações, o sistema identifica ilegalidades ambientais ao longo da cadeia da pecuária.

A plataforma subsidia o programa Selo Verde, implementado neste ano pelo governo do Pará e à disposição do Ministério Público do Estado. A obtenção do selo, porém, não é obrigatória para os pecuaristas. A equipe de Rajão agora trabalha na adaptação do sistema para implementação em Minas Gerais.

Outras ações para preservação têm foco na busca de fontes de renda para a população de áreas de floresta. É o caso do projeto da Michelin, concebido com o WWF-Brasil, que prevê a compra de borracha de associações de produtores autorizadas a atuar em reservas ambientais. O projeto, iniciado no ano passado, prevê em 2022 a compra de 120 toneladas de borracha extraídas da floresta, sem derrubada de árvores, por um preço 140% maior que o valor mínimo do mercado. Para o ano que vem, a empresa deve dobrar para doze o número de associações. Com a ampliação do pool de vendedores, a meta é comprar, em 2023, 588 toneladas de borracha. A transação deve gerar renda de R$ 10 milhões para 3.055 famílias em 14 unidades de conservação do estado da Amazônia, que também se dedicam a culturas como açaí e castanha.

“A iniciativa também pode ajudar a impedir moradores de áreas de floresta a terem de se mudar para grandes centros em busca de trabalho”, diz o CEO da Michelin para a América do Sul, Feliciano Almeida. Segundo ele, a nova alternativa de renda tem também o potencial de reduzir a atratividade das atividades ilegais na floresta como fonte de renda para a população local.

“Fortalecer a cadeia da borracha do extrativismo da Amazônia é apoiar as comunidades seringueiras a conservar a floresta em pé”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. “Precisamos superar o falso dilema entre prosperidade econômica e conservação da natureza com uma visão de desenvolvimento sistêmico que integra as necessidades das pessoas a partir da valorização dos ativos da sociobiodiversidade brasileira”, conclui Voivodic.

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