Retração mundial realça debilidades do Brasil

Ideal seria o país exportar produtos de maior valor agregado e diversificar as parcerias comerciais, dizem especialistas

Por Marlene Jaggi — Para o Valor, de São Paulo


Bem diferente das previsões catastróficas feitas durante a pandemia, a balança comercial brasileira vem apresentando resultados consistentes. Nos primeiros oito meses deste ano, os valores de exportação, importação e corrente de comércio atingiram níveis recordes - US$ 224,9 bilhões, US$ 181 bilhões e US$ 405,9 bilhões respectivamente, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) elaborados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) - que indicam manutenção do cenário de recuperação pós-pandemia.

Essa estabilidade, no entanto, está longe de representar céu de brigadeiro para os negócios brasileiros no mercado internacional. “Há nuvens escuras, que têm a ver com a desaceleração das economias da China, União Europeia e Estados Unidos”, afirma Victor do Prado, membro sênior do núcleo de comércio internacional e economia global do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). “Os resultados crescem em decorrência da alta de preços e não de uma estratégia do Brasil em exportar mais ou menos para determinados países”, acrescenta José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Outro ponto de atenção, segundo Castro, é o ritmo maior de crescimento das importações (14,9%, em agosto) do que o das exportações (8% no mesmo mês) e o consequente impacto desse desequilíbrio na balança comercial brasileira. De janeiro até agosto, o saldo foi de US$ 43,9 bilhões - abaixo dos US$ 52 bilhões de igual período do ano passado. Os países com maior contribuição positiva para o resultado deste ano foram China (US$ 23,3 bilhões), Holanda (US$ 6,4 bilhões), Cingapura (US$ 5,2 bilhões), Espanha (US$ 4,1 bilhões) e Chile (2,9 bilhões).

Essa redução no saldo não chega a ser preocupante, dadas as boas reservas cambiais do país, diz Castro, mas traz à tona os desafios da balança comercial brasileira, que importa manufaturados e exporta basicamente commodities agrícolas, minério e óleo cru, de baixo valor agregado e grande volatilidade de preços. “Até agora o que puxou a balança brasileira foram a alta e a estabilidade nos preços das commodities, mas, num cenário de recessão, a tendência é de queda de preços, o que afeta o país”, observa Prado, que não vê sinais de mudança no mix de produtos exportados, no qual a participação industrial tem sido cada vez menor.

Na avaliação de Castro, da AEB, os preços já estão se acomodando. “Está havendo uma queda mais lenta do que foi a subida”, afirma. O ideal para a economia brasileira, segundo ele, seria o país exportar mais produtos com valor agregado, como acontece na relação com os países vizinhos. “O total exportado para a América do Sul vem crescendo, mas com as medidas adotadas pela Argentina, é provável que esse quadro se reverta”, afirma. De janeiro a julho as exportações do Brasil para a Argentina cresceram 34%. Para a China, grande destino das commodities, o total exportado caiu 0,2%, em consequência da queda de 35%, até julho, nas compras de minério de ferro. “A tendência é que essa queda se acentue, porque recentemente os preços caíram ainda mais”, observa Castro.

A elevação da participação dos produtos chamados mais “dinâmicos” (com mais tecnologia), cuja demanda mundial vem crescendo, também é vista como uma necessidade pela economista Daiane Santos, da Funcex. Em seu entendimento, neste momento pós-pandemia, é essencial estreitar relações com outras economias, parceiras ou não, diminuir barreiras tarifárias e custos logísticos, entre outras ações que elevem a competitividade dos produtos nacionais.

Segundo a economista, a concentração do valor em mercadorias exportadas pelo Brasil vem aumentando. “O total destinado a seus quatro principais parceiros (União Europeia, China, EUA e Argentina) cresceu de 55% em 2014 para 59% este ano, até agosto”, diz ela, que destaca a perda da participação brasileira nos totais importados por essas regiões. Entre 2018 e 2021, a fatia do Brasil no total importado pelos EUA caiu de 1,2% para 1,1%, enquanto na China subiu de 3,6% para 4,1%. “Dos principais parceiros, a China foi a única que apresentou aumento no market share após 2020”, diz ela.

Não há bola de cristal que mostre a evolução desse cenário nos próximos meses e anos, dizem os especialistas. “A economia mundial entrou em fase de desaceleração, seja em função de políticas públicas restritivas, para conter a inflação em grande parte dos países, seja devido a choques exógenos, que afetam a estrutura global de absorção de bens e serviços”, diz Santos. A Funcex prevê superávit comercial de US$ 58 bilhões em 2022 e de US$ 55 bilhões em 2023. Nas projeções da AEB, o total esperado é menor: US$ 54 bilhões neste ano. “Eu apostaria na continuidade de uma estabilidade da balança comercial, mas não em superávit maior”, afirma Prado, do Cebri.

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