Mercado em ebulição

Grandes empresas do setor anunciam aquisições de R$ 11 bilhões em pouco mais de um ano

Por Beth Koike — De São Paulo


De 2015 para cá, quando foi aprovada a entrada de capital estrangeiro em hospitais nacionais, esse mercado vem passando por uma forte consolidação. Nesses sete anos, o ápice ocorreu entre dezembro de 2020 e o começo deste ano, com a abertura de capital e outras ofertas de ações de cinco grupos hospitalares - Rede D'Or, Dasa, Mater Dei, Kora e Oncoclínicas - que juntas despejaram mais de R$ 17 bilhões no mercado para compra de ativos. Com esses recursos, as companhias listadas de saúde, incluindo as operadoras verticalizadas Hapvida e NotreDame Intermédica, já investiram cerca de R$ 11 bilhões em aquisições de hospitais num período de pouco mais de um ano.

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Esse movimento deu uma desacelerada nos últimos meses devido a uma combinação de ambiente macroeconômico com a taxa Selic nas alturas, a proximidade das eleições, aumento de preços dos insumos médicos e dificuldade de repasse de custos. Segundo especialistas do setor, este segundo semestre e o começo do próximo ano devem ser mais do flerte do que casamento, ou seja, vai ter muito mais conversa do que transações fechadas.

De um lado, os compradores estão mais cautelosos porque a alta dos juros encareceu os financiamentos bancários e, na ponta oposta, os vendedores viram seus negócios perderem valor quando comparados há um ano, período em que os consolidadores estavam em busca de volume para aumentar participação de mercado. “Hoje, os múltiplos caíram em média 30%. Antes, os compradores estavam mais flexíveis porque o custo da dívida estava em 2% e agora saltou para 12%”, diz Maurício Nozawa, sócio da BR Finance, consultoria de fusões e aquisições. “Hapvida e Rede D'Or, dois grandes consolidadores, se juntaram [respectivamente] à Intermédica e à SulAmérica, que estavam alavancadas. Isso também explica a desaceleração dos negócios neste momento”, completa Osías Brito, também sócio da BR Finance.

No entanto, essa desaceleração é momentânea, não significa que a consolidação está no fim. Para Luis Fernando Joaquim, sócio líder da área de saúde da Deloitte, os processos de compra e venda ainda vão durar um tempo tendo em vista que o maior grupo hospitalar do país, a Rede D'Or, tem 68 hospitais para um universo com cerca de 1,8 mil hospitais com fins lucrativos. E, a maioria deles tem menos de 70 leitos, sendo que para ser rentável é preciso ter mais de 150 unidades de internação. Não à toa, entre 2010 e 2020, cerca de 3,5 mil hospitais privados fecharam as portas. “Boa parte deles era de pequeno porte, do interior, atendia SUS e com o tempo passou a dever impostos. A dívida dos hospitais junto à União e Receita Federal é de R$ 67,4 bilhões”, diz Bruno Sobral, secretário executivo da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde).

Segundo levantamento da BR Finance, cerca de 130 hospitais (com mais 50 leitos), situados em cidades com mais de 200 mil habitantes, já foram adquiridos pelos grandes grupos, mas há outros 280 com essas mesmas características ainda sob controle de seus fundadores. Atualmente, esses são os principais alvos. Há outros 120 hospitais particulares localizados em municípios menores e outros 1 mil estabelecimentos sem fins lucrativos.

Além das companhias com ações na B3, há outros fortes jogadores na área: a Hospital Care, controlada pelos fundos Crescera e Abaporu, do empresário Elie Horn; o Grupo Santa, dono de seis hospitais no Centro-Oeste; e a Athena, negócio do Pátria que tem operadoras de planos de saúde e hospitais. Além disso, a Bradesco Saúde criou, em 2021, um braço para investir em hospitais.

Em paralelo às aquisições de ativos de pequeno e médio portes, há um começo de movimento de grandes grupos se juntando - uma tese que se fortaleceu após a fusão das duas maiores operadoras verticalizadas de planos de saúde, Hapvida e Intermédica. Elas concorrem com os hospitais à medida que as pessoas abrem mão dos convênios médicos que trabalham com hospitais independentes. Em fevereiro, a Rede D'Or comprou a SulAmérica e a Bradesco Saúde negocia com a Hospital Care e outros hospitais.

O interesse por esse segmento não é à toa. Os hospitais têm um papel estratégico porque a maior parte dos gastos está concentrados nesse elo da cadeia de saúde. Segundo estimativas do Bank of America Merrill Lynch (BofA), os hospitais movimentam cerca de R$ 173 bilhões, o equivalente a metade da receita do setor, cujos outros participantes são laboratórios de medicina diagnóstica, clínicas e operadoras. A projeção do banco considera os dados de 2019, quando ainda não havia a pandemia.

Outro motivo que explica a corrida pelos hospitais é que esse ativo interessa tanto aos grupos que atuam exclusivamente nesse mercado quanto às operadoras de planos de saúde verticalizadas e as Unimeds. Dados do BTG mostram que a Hapvida (junto com Intermédica, que recentemente teve aprovada uma fusão) tem mais de 7 mil leitos em sua rede própria, o que posiciona a operadora como o segundo maior grupo em volume de leitos, atrás apenas da Rede D'Or.

Para Antonio Britto, presidente da Anahp, entidade que reúne os maiores hospitais do país, o grande desafio nessa busca pela redução de custos por meio de escala é manter a qualidade médica. “A consolidação veio para ficar, mas há um limite para baixar custos sem afetar a qualidade assistencial”, disse Britto.

Nesse movimento de fusões e aquisições, há um interesse por ativos fora do eixo Rio-São Paulo, do Distrito Federal e capitais como Belo Horizonte. Uma das razões é que eles já têm forte presença nessas regiões e o Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade) está mais atento à concentração nessas praças. A mineira Mater Dei adquiriu o Hospital Porto Dias, em Belém (PA), numa transação de R$ 1,3 bilhão. A paulista Dasa comprou o Hospital da Bahia, em Salvador (BA), por R$ 850 milhões. “Além do interesse por outras praças, fora do eixo Rio-São Paulo, como o Einstein que montou uma operação em Goiânia, os grupos também estão desenvolvendo novos tipos de parceria para áreas específicas da medicina”, diz Francisco Balestrin, presidente do SindHosp, sindicato dos hospitais de São Paulo. Balestrin faz referência à recente parceria entre a BP-Beneficência Portuguesa, Bradesco Saúde e o Fleury na criação de uma empresa de oncologia, com aporte de R$ 678 milhões.

Em meio a essa concorrência, até os hospitais filantrópicos, reconhecidos por seu corpo médico de excelência, já foram afetados com a perda de profissionais de primeiro linha. Os grupos capitalizados estão investindo em centros de pesquisa para atrair os chamados médicos medalhões.

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