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Apesar da crise, companhias com longa trajetória no mercado reforçam investimentos estratégicos em inovação e transformação digital

Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo


Empresas centenárias estão acelerando os investimentos na transformação digital dos negócios. Em cinco grandes corporações ouvidas pelo Valor, fundadas entre 1847 e 1895, a maioria das ações de digitalização teve um arranque no início da década de 2.000 e agora ganham tração. Hoje, incluem desde iniciativas mais básicas, como transações em sites e aplicativos para a venda de produtos, até parcerias com startups e plataformas abertas de soluções de internet das coisas (IoT). Em três delas, o orçamento global para pesquisa e desenvolvimento (P&D), que inclui a agenda virtual, oscila entre € 2 bilhões e € 5,7 bilhões, ao ano. A expectativa, mesmo com os efeitos da pandemia na economia, é que os aportes em tecnologia da informação (TI) continuem em alta durante 2021.

O movimento das organizações com mais de cem anos de estrada acompanha as previsões das empresas de análise de mercado. Um estudo do Gartner indica que os gastos mundiais no setor de TI deverão chegar a US$ 3,9 trilhões em 2021, alta de 6,2% em relação ao ano passado, quando o segmento teve queda de 3,2%. Os negócios digitais, liderados por projetos de curto prazo, receberão mais atenção este ano, prevê o vice-presidente de pesquisa do Gartner, John-David Lovelock.

Até 2024, as corporações serão forçadas a adiantar planos de transformação digital em pelo menos cinco anos, para sobreviver em um mundo pós covid-19, alerta o relatório do Gartner.

Já um levantamento da IDC revela que a economia latino-americana seguirá com verbas para os negócios on-line: a estimativa é que 40% do PIB da região estarão digitalizados até 2022. Em um webinar sobre previsões para 2021, Ricardo Villate, vice-presidente da IDC para a América Latina, diz que 2020 marca a virada no bloco, em que a economia digital ganha impulso com a retração dos mercados tradicionais.

Estima-se que 15 milhões de consumidores tenham feito a primeira compra on-line no ano passado, enquanto o e-commerce cresceu 30%, representando quase 6% de todas as vendas no varejo, na região. Até o final do ano, cerca de 75% das grandes empresas com operações na América Latina vão dobrar a velocidade de mudança em projetos para uma infraestrutura de aplicativos baseados na nuvem.

A avaliação é confirmada por Manfredo Rübens, presidente da Basf para a América do Sul. Fundada há 155 anos na Alemanha, a multinacional da área química completa 110 anos de Brasil em 2021. “Já no início dos anos 2000, conseguimos trabalhar com um sistema de ERP [sistema de gestão empresarial, da sigla em inglês] com acesso integrado e seguro.”

Há dois anos, a Basf investiu cerca de R$ 6 milhões em um centro de experiências digitais, em São Paulo, para a cocriação de soluções. Um pouco antes, lançou um e-commerce com oferta de consultoria e produtos químicos para indústrias. Globalmente, investiu em 2019 mais de € 2 bilhões em P&D, o equivalente a 8,2% da receita anual.

Em 2020, uma das marcas do conglomerado, a Suvinil, expandiu seu marketplace para 14 Estados, ampliando em 70% o número de revendedores, entre março e maio. Foi registrado um crescimento de mais de 200% nos acessos aos sites das lojas físicas, além de um salto de quase 70% na geração de demanda de pedidos via WhatsApp.

A Bayer, gigante alemã da indústria química e farmacêutica, mantém há quatro anos um conselho para acompanhar todas as iniciativas relacionadas à inovação e transformação digital nos 87 países onde atua. Um dos carros-chefes na divisão agrícola do grupo, no Brasil desde 1896, é o Climate FieldView, plataforma on-line que apoia o produtor rural por meio de soluções e análise de dados durante as safras.

“São mais de 20 mil plantadeiras e colheitadeiras conectadas com a solução, em todo o mundo”, diz Marc Reichardt, presidente da companhia no país. A ferramenta, lançada em 2017, mapeou mais de 65 milhões de hectares de lavouras, garante ele.

Marcílio Pousada, presidente da RaiaDrogasil, formada em 2011 a partir da fusão entre a Droga Raia, criada em 1895 e a Drogasil, de 1935, diz que o avanço digital só foi possível com o comprometimento da alta gestão. “É fundamental a participação da liderança para garantir a autonomia e a importância de cada tecnologia em um contexto de ‘aculturamento’ on-line”, diz. A companhia mantém uma área de negócios digitais, com mais de 200 funcionários.

O principal resultado do esforço da varejista aparece no crescimento das entregas on-line, por sites e aplicativos. Somente no terceiro trimestre de 2020, as vendas do digital representaram 7,1% do varejo da companhia - no mesmo período de 2019, essa participação era de 2,5%. De janeiro de 2019 a setembro de 2020, houve 5,1 milhões de downloads nos apps da marca.

Para José Borges Frias Júnior, diretor de estratégia e desenvolvimento de negócios de operating company digital industries da Siemens, além do apoio dos gestores para alavancar a virtualização de processos, a quantidade de investimento em inovação pode definir o futuro de uma empresa.

Entre 2014 e 2019, a companhia, que opera no Brasil há mais de 170 anos, elevou em 40% os investimentos globais em P&D, atingindo € 5,7 bilhões ou 6,5% da receita total. Apenas em 2018, gerou 7,3 mil patentes de soluções, das quais 25% estão no guarda-chuva da digitalização.

Oliver Cunningham, sócio de transformação digital da consultoria KPMG, afirma que as estratégias de virtualização dos grandes grupos vão andar de mãos dadas com novos aportes em inovação.

Na opinião de Maurício Saad, sócio-líder de transformação digital da EY no Brasil e América do Sul, o “pedágio” mais importante para o sucesso das operações virtuais é o elemento humano. “As melhores ações de empresas que não nasceram e cresceram na era digital estão voltadas ao investimento de tempo e dinheiro em pessoas, promovendo mudanças culturais, capacitação e o fomento ao novo”, diz.

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