Brasil no mapa da IA

Inteligência artificial avança e traz oportunidades de negócios para o país em diversas áreas, inclusive por sua matriz energética majoritariamente limpa, enquanto regulação e combate às fake news se mantêm como desafios

Por — Do Rio


A segunda edição brasileira da conferência reuniu 34 mil pessoas, 59,6% mais participantes do que no ano passado, incluindo mil empreendedores, 500 investidores, mais de 170 parceiros e de 500 palestrantes de 100 países — Foto: Divulgação/Web Summit

Do empreendedorismo às mudanças climáticas, passando por diversidade, marketing, mobilidade, finanças e eleições, lá está ela, a inteligência artificial (IA), direcionando os rumos das conversas durante o evento de inovação Web Summit Rio 2024.

A segunda edição brasileira da conferência, realizada entre 15 e 18 de abril no Riocentro, reuniu 34 mil pessoas - público 59,6% maior ante os 21,3 mil participantes no ano passado -, incluindo mil empreendedores, 500 investidores, mais de 170 parceiros e de 500 palestrantes de 100 países.

Desde maio do ano passado, quando o Brasil entrou na rota mundial do Web Summit, a IA generativa assumiu uma proporção maior do que um bate-papo elaborado com uma máquina, como o ChatGPT, da OpenAI, para os negócios e a sociedade.

Em um ano eleitoral para 64 países, a popularização de ferramentas que fabricam imagens ou vídeos plausíveis, e facilmente disseminados em redes sociais, eleva o tom de preocupação sobre seus efeitos nas urnas.

“A gente ainda tem uma janela de ‘desproteção’ em relação à regulação justamente no campo de disseminação de deepfakes e de informações falsas”, disse Carine Roos, fundadora da Newa, consultoria voltada a diversidade, equidade e inclusão, em entrevista ao Valor.

Ross, que participou do painel “Como a Geopolítica Moldará a Regulamentação da IA”, defende uma diminuição no ritmo do avanço da IA para uma revisão ética, de governança e diversidade. “A inteligência artificial está aí há anos, mas ela avançou muito mais rápido do que qualquer regulação”, completou.

A inteligência artificial avançou muito mais rápido que qualquer regulação”
— Carine Roos

De fato, a regulação brasileira perdeu o ritmo. Na primeira edição do Web Summit Rio, no início de maio de 2023, o Congresso quase aprovou o Projeto de Lei 2.630/20, conhecido como PL das Redes Sociais, para que não haja disseminação de conteúdo falso em plataformas digitais. Desde então, o PL ficou parado no Congresso e agora deve passar por uma reformulação.

O país ainda pode acelerar o compasso no campo da infraestrutura computacional, um ponto crítico para dar suporte às aplicações de inteligência artificial.

A oferta de fontes de energia elétrica renovável do Brasil o torna um local atrativo para os investimentos bilionários anunciados por gigantes de serviços da computação em nuvem, como Google, AWS (Amazon) e Microsoft, em centros de dados. Entretanto, o país precisa avaliar sua carga tributária se não quiser perder a janela para os vizinhos.

“Temos recebido solicitações de empresas europeias que investem em datacenters no Paraguai, onde os impostos de importação são reduzidos e há uma proximidade com [a usina hidrelétrica de] Itaipu”, disse o executivo Marcio Aguiar, que subiu ao palco central do Web Summit representando a operação latino-americana da fabricante de chips Nvidia. A empresa do Vale do Silício (EUA) tomou a frente na corrida da IA, contando com 83% do mercado de chips em 2023.

“O Brasil poderia tirar vantagem desse movimento, revisando certos impostos para incentivar as empresas a virem para cá”, comentou Aguiar.

O impacto da demanda por energia elétrica elevada pelos centros de dados que suportam a IA também é um ponto favorável para um país como o Brasil, que tem 61,9% de sua matriz elétrica composta por recursos hídricos [bem acima da média mundial de 15,5%], segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), do Ministério de Minas e Energia.

Precisamos de mais mulheres presidentes de empresas de tecnologia”
— Luiza Trajano

Jens Nielsen, fundador e executivo-chefe da organização não governamental World Climate Foundation, nota o interesse de big techs em recursos sustentáveis como uma forma de gerar escala e baratear fazendas de energia solar e eólica, bem como atrair investimentos a países com esses recursos. “Acho que o Brasil deve ter muitas vantagens na conexão ou no fornecimento de recursos para datacenters”, comentou.

Nilsen ainda destacou o papel do Brasil como sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, em novembro do próximo ano, em um painel com Helena Gualinga, ambientalista e ativista de direitos humanos do território amazônico de Sarayaku, no Equador. “A COP30 será o momento da verdade sobre para onde estamos indo e como garantir que a natureza se destaque como uma solução, incluindo o uso de energia renovável.”

A diversidade tem um lugar de destaque no Web Summit Rio. Este ano, das mais de mil startups participantes, 45% foram fundadas por mulheres. Segundo a organização, esta é a maior proporção de empreendedoras entre todas as edições do evento, que também é realizado em Portugal, no Canadá e no Catar.

Ampliar a diversidade no mercado de tecnologia e nas lideranças do país são bandeiras que Luiza Helena Trajano, presidente do conselho da varejista Magazine Luiza, levantou durante o Web Summit Rio 2024.

“A gente tem que lutar, agora, para pular para 50% [de mulheres] no Judiciário, nas empresas e na política, porque os 18% de mulheres na política não nos representam”, reforçou a empresária e líder da organização sem fins lucrativos Mulheres do Brasil. “As meninas já entenderam que elas podem entrar na tecnologia e que são capazes. Agora precisamos de mais mulheres presidentes de empresas de tecnologia”, disse Trajano, ao Valor.

Quando se trata das bases da IA generativa, entretanto, falta diversidade e sobram vieses, observa Roos, que é mestre em gênero pela London School of Economics and Political Science. “Agora está se discutindo mais essa mudança, mas, ainda assim, a internet é maciçamente muito branca e muito masculina”, disse a fundadora da Newa. “Talvez o que a gente precise fazer seja dar um passo para trás e pensar como queremos desenvolver essa inteligência artificial”, sugere a especialista.

A repórter viajou a convite do Web Summit

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