Num mundo que cada vez mais se resguarda da invasão do aço chinês, impulsionada por excesso de produção, baixa demanda interna e práticas comerciais questionáveis, o Brasil começou a reagir tardiamente à ameaça e ainda tem feito pouco para proteger sua indústria siderúrgica. Esta é a avaliação de especialistas frente ao salto de 48,6% nas importações vindas da China de janeiro a agosto deste ano (em comparação com o mesmo período de 2022), que levou o governo federal a antecipar o fim da redução da tarifa de importação de 12 produtos, buscando “tornar o aço brasileiro mais competitivo no mercado interno, ajudando os fabricantes nacionais a enfrentar o surto de importações a preços desleais”, segundo nota oficial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
A medida, anunciada na terça-feira (19), atendeu parcialmente à demanda do setor produtivo do aço, que pedia a elevação do imposto de importação de 18 produtos. Entre a dúzia de itens cujo fim da redução foi antecipada de 31 de dezembro deste ano para 1º de outubro estão diferentes tipos de bobinas, chapas revestidas de alumínio-zinco e tubos sem costura. Eles tinham taxas de importação de 9,6% a 12,8%, que foram reduzidas em 10% no ano passado e agora serão restabelecidas. “É um passo na direção correta, mas muito pequeno. É algo no sentido do que as usinas querem, mas muito menos do que o necessário”, diz Carlos Jorge Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), que aponta a prática de dumping por parte dos chineses.
“Para cada tonelada de aço produzida, gasta-se US$ 342 só de custo de minério e carvão, fora o frete. Hoje, o preço de venda da China para laminado a quente está em cerca de US$ 540. Sobram US$ 168 para os demais custos de produção: mão de obra, depreciação, elementos de liga, energia. Definitivamente, as usinas chinesas estão trabalhando com prejuízo. Por isso a China hoje não vende livremente na Europa, nos Estados Unidos, no México, na Índia.”
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O governo indiano anunciou, em 11 de setembro, a adoção de medidas antidumping sobre certos produtos siderúrgicos chineses por cinco anos, frente a um aumento de 62% na importação de aço no país entre abril e julho, em relação ao mesmo período do ano anterior. Dias antes, a imprensa americana informou que EUA e União Europeia estudam aplicar novas tarifas sobre a produção excedente de aço da China, visando reduzir a competitividade da produção do país asiático.
“O Brasil ficou para trás. Basta olhar o México, que aumentou suas tarifas de importação de aço de 10% para 25%, apesar de não ter a China como principal ameaça. Na Argentina, estão entre 12% e 20%. No caso do Brasil, onde as importações são majoritariamente chinesas, a política estava na contramão dos demais países”, diz Alejandro Wagner, diretor-executivo da Associação Latino-Americana do Aço (Alacero), referindo-se às sucessivas reduções de impostos de importação de produtos siderúrgicos feitas nos últimos três anos - a mais recente, em março passado, quando a Câmara de Comércio Exterior zerou por um ano o imposto incidente sobre dois tipos de folhas de aço e dois modelos de chapas de alumínio, cujas alíquotas variavam de 12% a 16%.
A Alacero considera positiva a medida em favor das usinas anunciada pelo Brasil na semana passada. “É uma decisão inteligente e que demonstra a importância que tem nossa indústria local. Temos que continuar trabalhando com nossos governos para alertar sobre os prejuízos que trazem as importações chinesas com preços que não são de mercado”, diz Wagner.
Maior produtor e exportador global de produtos siderúrgicos, a China produziu 626,5 milhões de toneladas de aço de janeiro a julho deste ano, e vendeu ao Brasil 1,7 milhão de toneladas até agosto. Em um ano em que a indústria siderúrgica nacional estima que as importações serão recordes (4,61 milhões de toneladas, segundo o Instituto Aço Brasil), o país asiático já responde por 54,2% de todo o aço que chegou ao Brasil nos oito primeiros meses.
“O governo está ciente das assimetrias de condições de comercialização entre o aço brasileiro e o estrangeiro”, afirma Thiago de Aragão, CEO da Arko International e pesquisador sênior do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS). “A China está desacelerando e seu mercado imobiliário está enfraquecendo. Se o Brasil não tornar o aço nacional ainda mais competitivo por meio de alíquotas, a indústria irá sofrer.”
No outro lado da moeda, os compradores nacionais de aço queixam-se do custo elevado do produto brasileiro. “De 2022 para cá, depois da implementação de uma tarifa menor de importação, os preços tiveram uma ligeira queda, a importação tem esse impacto. Mas ele ainda não caiu aos patamares de antes da pandemia”, diz Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “O desafio para o governo é regular adequadamente, porque o aço que vem para nós é altamente essencial, vai para habitação, para infraestrutura. Qualquer aumento no custo de construção acaba sendo repassado para o consumidor.”