Com a temperatura média global 1,45 0 C acima dos níveis pré-Revolução Industrial, o ano de 2023 bateu recordes não só nos termômetros, mas também nas ocorrências de desastres naturais, como enchentes, secas extremas, incêndios florestais e furacões. As perdas financeiras associadas a esses eventos alcançaram US$ 380 bilhões, um aumento de 22% em relação à média do século XXI, de acordo com o relatório “da Aon Seguros. Das 66 catástrofes naturais que causaram prejuízos de US$ 1 bilhão ou mais, 63 foram causadas pelo clima. Entre as perdas cobertas por seguros, outro recorde: total de US$ 118 bilhões, marcadas por um recorde de 37 eventos bilionários, o maior número já registrado pelo setor de seguros.
Na América Latina, o relatório destaca a estiagem prolongada na bacia do Rio Prata, que atingiu o sul do Brasil, a Argentina e o Uruguai e foi responsável por um prejuízo de US$ 15,3 bilhões, especialmente na agricultura, sendo US$ 1 bilhão em perdas seguradas. Também registra a seca histórica do Amazonas, no segundo semestre de 2023, que levou o rio Negro ao mais baixo nível desde 1902, prejudicando atividades como o comércio, serviços e a navegação.
Ao longo do ano, o Brasil teve uma média de três eventos climáticos significativos por dia em todo o território e mais de meio milhão de pessoas sendo forçadas a sair de suas casas por causa deles, em tragédias como as fortes chuvas de São Sebastião, no litoral paulista.
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Aumentar a resiliência do país a eventos climáticos, minimizando perdas de vidas e de recursos, passa por medidas que podem ser tomadas pelo poder público e iniciativa privada. Do ponto de vista público, os gestores terão de investir em infraestrutura e planejamento urbano que considerem os riscos de desastres naturais, aperfeiçoamento dos sistemas de previsão meteorológica e de alerta precoce para garantir que populações em áreas de risco possam ser avisadas e evacuadas com antecedência.
Já do ponto de vista privado, as seguradoras e resseguradoras, que já sentem no bolso o aumento dos custos decorrentes dos desastres naturais, defendem a ampliação da oferta e da cobertura de seguros, de modo que atendam às novas necessidades da população exposta aos extremos do clima. Em 2023, a lacuna global de proteção a catástrofes foi de 69%, o que indica uma grande parcela de perdas não cobertas por seguros.
Segundo Isabel Blazquez Solano, CEO de resseguros da Aon Brasil, o mercado segurador no Brasil cobre 5% das perdas econômicas decorrentes de desastres naturais, e de forma bastante concentrada nos produtos agrícolas. “O seguro tem um papel de mitigação de riscos climáticos. Por isso, a criação de produtos de seguro que sejam acessíveis e que cobrem uma gama mais ampla de riscos é essencial.”
No dia 17 de abril, a comissão especial da Câmara dos Deputados sobre prevenção e auxílio a desastres e calamidades naturais realizou audiência onde foram debatidas propostas nessa direção, como a do seguro social contra catástrofes (leia mais nesta página), o mecanismo de seguro para infraestruturas urbanas, o seguro contra o rompimento de barragens e a ampliação dos recursos do Programa de Subvenção do Prêmio do Seguro Rural (PSR), que hoje cobre 6% da produção agrícola nacional.
“Caso o projeto de lei seja aprovado, pode haver a cobertura de bens e auxílio funeral decorrentes de eventos naturais como chuvas, enxurradas e deslizamentos. Essa medida seria importante, pois é necessário fazer o que está ao alcance para tentar a redução do impacto dessas catástrofes”, diz Marcio Probst, diretor de operações do Grupo HDI, que atua nos segmentos de vida, automotivos, residenciais e empresariais.
Parcerias entre o governo e o setor privado para financiar e implementar projetos podem ser uma solução. “Isso pode incluir o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções inovadoras, como seguros paramétricos e fundos de catástrofes, além de uma análise de riscos mais eficiente. Ao abordar esses aspectos de maneira integrada, o Brasil pode melhorar significativamente sua resiliência a desastres naturais”, diz Solano.
O mercado já se movimenta nessa direção, com um pacote tecnológico que passa pela inteligência artificial (IA) e a inclusão, nas modelagens de risco, de novas variáveis como nível e temperatura dos oceanos, comportamento de espécies migratórias, ventos, irradiação solar, informações de geografia regional e também os cenários climáticos previstos pelos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês).
O software Climate Diagnostic, lançado em 2022 pela consultoria americana WTW, utiliza os cenários do IPCC para realizar previsões em três panoramas (otimista, intermediário e pessimista) para 2030, 2050 e 2100. A ferramenta tem sido utilizado não só pelas seguradoras, mas por empresas do agronegócio e energia para identificar riscos aos negócios. Também pode ser utilizado como ferramenta de planejamento por governos, como o da Flórida, nos EUA, que mapeou riscos climáticos e de ordem social.