Investimento deve dobrar para atender objetivos do marco legal

Meta de levar água potável para 99% da população e estender a coleta de esgoto para 90% dos domicílios brasileiros até 2033, mas dificilmente será atingida

Por Domingos Zaparolli — Para o Valor, de São Paulo


Agentes públicos e privados terão que duplicar o esforço anual de investimentos em saneamento básico nos próximos dez anos para o país alcançar a meta de levar água potável para 99% da população e estender a coleta de esgoto para 90% dos domicílios brasileiros até 2033, como estabelecido no marco legal do saneamento básico (Lei 14.026), que acaba de completar três anos em julho.

De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), a universalização prevista na lei de 2020 demanda R$ 598 bilhões, a preços de dezembro de 2021, correspondentes a R$ 46 bilhões anuais durante 13 anos seguidos. Em 2020 e 2021 os investimentos ficaram muito aquém do necessário, respectivamente em R$ 18,95 bilhões e R$ 17,68 bilhões. Os cálculos são da consultoria GO Associados e do Instituto Trata Brasil. O Ministério das Cidades projeta que os investimentos alcançarão R$ 24 bilhões em 2023.

“O marco legal teve o mérito de estabelecer o saneamento na pauta de prioridades da sociedade brasileira”, diz Luana Pretto, presidente-executiva do Trata Brasil. “Mas muitos gestores públicos ainda não estão preparados para atender as metas estabelecidas.”

Os municípios são os titulares dos serviços de saneamento e cabe a eles executar a tarefa de forma direta ou contratar quem o faça. Empresas públicas estaduais prevaleceram na prestação desses serviços e atendem a mais de 90% dos municípios e 83% da população do país. Para o Trata Brasil, são necessários investimentos anuais de R$ 203 por habitante para o atendimento adequado da população. Nenhum Estado investe nada parecido.

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São Paulo investe R$ 126 por habitante e o Paraná, R$ 121. O patamar dos demais é muito inferior. Bahia e Pernambuco investem R$ 87 cada. Amazonas, R$ 51, e Maranhão apenas R$ 41. “Sozinhos, os Estados não vão alcançar as metas de universalização dos serviços.”

A geração de caixa das companhias não ajuda. Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) demonstram que não há espaço para um aumento significativo nos investimentos com recursos próprios. Em 2021, por exemplo, as receitas totais das empresas de saneamento foram de R$ 78,3 bilhões e as despesas, de R$ 71,2 bilhões.

Várias empresas públicas não dispõem de estratégia para enfrentar índices de inadimplência que em alguns Estados superam os 50%, podendo chegar a 70%. Faltam investimentos em tecnologia para detectar vazamentos de água tratada, cuja média nacional de perdas passa dos 40%, ou em novas estações compactas e econômicas de tratamento de esgoto.

“Superar os gargalos do saneamento no Brasil exige dinheiro novo, mas também tecnologia e capacidade de gestão”, diz a ex-presidente da Sabesp Karla Bertocco, sócia-líder em infraestrutura da Jive Investments.

A estimativa da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), com base em estudo da KPMG, é que além dos quase R$ 600 bilhões necessários para universalizar os serviços de água e esgoto, será preciso investir outros R$ 293 bilhões para recuperar a obsoleta infraestrutura atual, formando uma conta de investimentos que supera R$ 890 bilhões.

O marco legal incentivou a regionalização e a formação de grupos de municípios para a contratação de serviços. Nos últimos três anos, a concessão para a iniciativa privada e as parcerias público-privadas (PPPs) têm sido a principal estratégia adotada pelos municípios e pelos novos arranjos regionais para a atrair investimento.

No período, foram licitados 18 projetos nas duas modalidades de contratação, que preveem investimentos de R$ 68 bilhões para atender um universo de 31 milhões de pessoas, segundo a GO Associados. O estudo foi efetuado antes da licitação promovida pela Sanepar, de PPP de 16 cidades paranaenses, que resultou em compromisso de investimentos de R$ 1,2 bilhão em 24 anos pelo consórcio formado por Aegea, Perfin e Kinea.

Entre as licitações ocorridas desde o novo marco, os destaques são as concessões dos serviços no RJ, em Alagoas, no Amapá e no Ceará.

Os operadores privados estão em 9% dos municípios e atendem 17% da população do país. Essa participação deve crescer fortemente nos próximos anos. O BNDES trabalha na estruturação de 29 projetos que, viabilizados, irão impactar 46 milhões de pessoas. A expectativa da GO Associados é que as licitações ocorram nos próximos três anos. “O marco do saneamento gerou nova perspectiva de investimentos para o setor, com abertura maior para a participação privada”, diz Percy Soares Neto, presidente da Abcon Sindcon.

A nova dinâmica de investimentos, no entanto, não deve ser suficiente para o país alcançar a meta de universalização de água e esgoto até 2033, na visão de especialistas e executivos do setor.

O marco legal estabeleceu que as prestadoras de serviços deveriam comprovar até dezembro de 2021 capacidade econômico-financeira para os investimentos necessários para a universalização. Estatais de sete Estados - Pará, Acre, Amazonas, Piauí, Maranhão, Roraima e Tocantins - não o fizeram.

Além disso, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) deu parecer negativo à documentação de outras estatais. Ao todo, 1.141 municípios, onde moram 30 milhões de pessoas, estão em situação contratual irregular, o que os impediria de receber repasses federais a partir de março de 2023.

O novo governo publicou em julho o Decreto 11.598 estendendo até dezembro o prazo para a comprovação da capacidade econômico-financeira. Mas há ceticismo entre especialistas sobre essa viabilidade. “Os legisladores que promoveram o marco legal erraram ao não enxergar a precariedade da gestão em vários municípios e em algumas empresas estaduais”, diz o advogado Rubens Naves, sócio-fundador do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

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