Cuidados com a operação do sistema elétrico

Coordenação com outros setores, flexibilidade para operar, mudanças climáticas, governança e fortalecimento de instituições requerem atenção


Bähr, da Engie, considera que é preciso aumentar potencial de armazenamento — Foto: Gabriel Reis/Valor

Na primeira semana de março, o Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CMSE), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, determinou a redução da vazão nas hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, no rio Paraná, e a retenção de água nas usinas de cabeceira. A medida tem o potencial de preservar cerca de 11% de armazenamento na bacia do Paraná até agosto e cerca de 7% no Sudeste/Centro-Oeste. Apesar de os reservatórios da região Sudeste, responsáveis por 70% da potência hidrelétrica do país, estarem com volumes acima de 70%, a decisão foi tomada por causa dos níveis de chuva abaixo do esperado. O mês de março registrou o quinto pior índice de chuvas em 94 anos.

Desde a crise hídrica de 2021, quando a palavra racionamento voltou a rondar o setor, a cautela tem sido maior na operação? O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, diz que não, mas há diversas variáveis a serem observadas. “Apesar de a situação para esse ano estar boa, não saberemos como será a chuva desse próximo verão, temos de avaliar o impacto do La Niña sobre o regime de ventos e sobre o regime de chuvas no Sul e Sudeste. Há ainda as ondas de calor e o efeito sobre a demanda de energia”, afirma.

O caso ilustra os desafios que o setor terá. Um é a coordenação com outras esferas, sejam concessionárias de geração hidrelétrica, seja a Agência Nacional de Águas (ANA). A região Sudeste é sensível devido à grande concentração de empreendimentos e aos conflitos já existentes, sobretudo de uso da água. A demanda por água no Brasil é crescente, com aumento estimado de aproximadamente 80% no total retirado nas últimas duas décadas. A previsão é de que ocorra um aumento de 24% na demanda até 2030. Nos planos decenais, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem alertado que a gestão múltipla das águas é um ponto de alerta, principalmente no Sudeste, que já enfrenta desafios de operação em cenários de falta de chuvas.

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Outro desafio é oferecer flexibilidade à operação. Desde o racionamento de 2001, as hidrelétricas perderam participação relativa na matriz: dos 90% há 23 anos para hoje, cerca de 50% da geração de eletricidade. Desde a construção das usinas hidrelétricas da região Norte – Santo Antônio, Jirau e Belo Monte –, o setor não assiste à construção de nenhum empreendimento. A EPE não trabalha com nenhuma nova grande usina sendo erguida nesta década. Mas isso não significa que elas perderam seu papel. “As fontes agora têm novos atributos”, diz o presidente da Siemens Energy, André Clark.

“Nesse contexto de mudanças climáticas, há também uma necessidade de aumentar o potencial de armazenamento do sistema. As hidrelétricas têm papel fundamental nesse sentido, por serem as grandes baterias do sistema, que podem conferir segurança do suprimento e armazenar água que será convertida em energia. É uma opção que já está disponível e é mais econômica do que as novas soluções tecnológicas de armazenamento de energia, que ainda possuem custo muito elevado e capacidade limitada”, diz Maurício Bähr, presidente da Engie no Brasil.

“As hidrelétricas hoje não apenas geram eletricidade, elas são baterias de água e podem ajudar a regular a tensão ou contribuir para a rampa, desde que sejam remuneradas para isso”, diz Priscila Lino, diretora de assuntos regulatórios da Auren.

A Auren avalia adicionar quatro máquinas em sua usina hidrelétrica de Porto Primavera, a depender de um leilão de reserva de capacidade que o governo pretende fazer. No caso da Engie, há a possibilidade de instalação de novas máquinas na usina Salto Santiago, que poderá receber até duas novas máquinas com potência de 355 MW cada uma, e na usina Jaguara, com capacidade de receber outras duas, de 106 MW cada uma. No setor hidrelétrico, mais de 7 GW no total poderiam ser repotenciados, o que movimentaria mais de R$ 10 bilhões em investimentos.

Atender à demanda do horário de ponta, hoje no meio da tarde e início da noite em razão do acionamento de ar-condicionado nos escritórios, no entanto, não poderia ser feito apenas por hidrelétricas, mas também com térmicas. Em paralelo, o Brasil deve quase dobrar a sua produção de gás nacional, para quase 150 milhões de metros cúbicos diários, com o avanço da exploração do pré-sal. Usar o gás para térmicas seria uma forma de diversificar a matriz. Diante do racionamento de 2001, boa parte das térmicas teve o início de sua operação no começo daquela década.

Cerca de 10 GW em capacidade – quase a mesma potência da hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo – terá contratos concluídos até 2028. São mais de R$ 15 bilhões. Não são apenas usinas a gás natural, mas algumas também movidas a óleo diesel e poderiam receber novas tecnologias para reduzir emissões. A Eneva, que adquiriu uma térmica no Ceará cujo contrato foi descontratado em 2023, está com o ativo “hibernando” à espera de uma solução regulatória.

“Em um cenário de mudanças climáticas, a energia térmica passa a ser importante ainda mais quando as fontes variáveis, como solar e eólica, ganham espaço e o país precisa despachar eletricidade em alguns momentos de forma rápida e confiável. As térmicas hoje representam um papel importante e podem ser acionadas no horário de ponta ou reduzir as pressões sobre o momento em que a geração distribuída solar deixa de contribuir”, observa Marcelo Lopes, diretor de comercialização e novos negócios da Eneva.

A segurança energética também passa pela governança e pelo fortalecimento de instituições, como a EPE, responsável pelo planejamento do setor elétrico. Com a expansão da geração descentralizada, via geração distribuída solar e aumento do mercado livre, ganha ainda mais relevância planejar a expansão. Um obstáculo é o orçamento da EPE, que completa neste ano duas décadas de existência. A estatal sofreu um corte de 65% no orçamento para 2024, o que impacta as atividades de planejamento energético. “Isso prejudica nosso trabalho”, diz o presidente da EPE, Thiago Prado.

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