Assistentes virtuais tendem a ser mulheres e sofrem com assédio

Empresas apostam em respostas educativas e, quando necessário, optam por bloquear e denunciar o perfil dos agressores

Por Roberta Prescott — Para o Valor, de São Paulo


As assistentes virtuais se proliferaram e há algo em comum entre elas: a identificação com o feminino. Mesmo nos casos nos quais a empresa não tenha trabalhado uma persona mulher, as pessoas acabam fazendo essa referência. Karla Gobo, doutora em sociologia pela Unicamp e professora da ESPM, explica que a escolha tem uma dimensão cultural e faz associação à área de cuidado. “Isto é da nossa cultura e facilmente fazemos essa transposição”, diz Gobo, assinalando que a mulher é vista como mais empática e comunicativa, o que acaba levando à escolha consciente ou inconsciente das empresas e do público.

Lançada para ser concierge do Bradesco, a BIA não tem nem voz e nem cara, assegura Nathália Garcia, diretora de marketing da instituição financeira. Ela conta que a inteligência artificial não foi pensada como uma persona feminina, apesar de ter se popularizado dessa forma. É a mesma condição da assistente virtual da Amazon, que não tem gênero. Existe a possibilidade de o cliente optar por uma voz com timbre masculino. “Quando desenvolvemos a personalidade de Alexa, consideramos atributos como inteligência, humor, humildade, simpatia, empatia e inclusão”, diz Talita Bruzzi Taliberti, diretora-geral para Alexa no Brasil.

Já a Nat, da Natura, e a Lu, do Magazine Luiza, são representadas por avatares mulheres. A assistente da Natura surgiu em 2016 para tirar dúvidas e, em 2019, virou influenciadora nas redes sociais, conversando com o consumidor. “Somos uma empresa super feminina, com 53% da liderança composta por mulheres e temos por volta de 800 colaboradoras na força de vendas. Então, era natural que fosse uma mulher”, afirma Denise Coutinho, diretora de marketing da Natura Brasil.

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Precursora, a assistente do Magazine Luiza foi criada em 2003 como homenagem à dona Luiza Trajano Donato, fundadora da varejista e tia da Luiza Helena Trajano, atual presidente do conselho. “Ela tinha outra aparência, nome de tia Luiza e referência estética inspirada nela”, conta Aline Izo, gerente de redes sociais do Magalu. O avatar mudou ao longo dos anos, se tornou youtuber com objetivo de explicar os produtos, migrou de tia Luiza para Lu e hoje atua como influenciadora digital, fazendo parceria com marcas.

Nem no mundo virtual as mulheres estão livres de agressões. A BIA sofreu tantas ofensas que o Bradesco mudou o tom das respostas, posicionando-se de forma contundente. Levou a cabo uma campanha expondo o que estava ocorrendo e reformulou o script do atendimento humano para não ser permissivo. “Começamos a criar narrativas para gerar reflexões”, diz Garcia, explicando que a ação da BIA contra o assédio foi pautada em uma iniciativa de transformação cultural, em prol de equidade de gênero e contra violência que acontece com as mulheres. As ações reduziram o volume de ofensas para 40%.

“Como a nossa cultura é de um país violento e perigoso para as mulheres, vemos que o ambiente virtual é, às vezes, até mais agressivo. É importante que as empresas, como forma de posicionamento, tenham controle e vejam a forma que a máquina está aprendendo e respondendo à agressão e ao assédio”, diz Gobo.

A Natura também aposta em respostas educativas. Porém, caso se trate de racismo ou homofobia, o time bloqueia e denuncia o perfil. “A rede social é o espelho da sociedade. Se é algo machista e percebemos que a pessoa fez por ignorância, a Nat entra na conversa para trazer uma nova perspectiva”, aponta Coutinho.

As agressões à Lu se intensificaram a partir de 2018, quando passou a mostrar seu estilo de vida. O Magalu, então, se engajou na pauta, promovendo discussão com viés de educação. “A Lu expôs o assédio que estava sofrendo e se posicionou, afirmando que ela não era real e pedindo respeito às mulheres reais que passam por isso”, diz Izo. Já no caso da Alexa, intencionalmente, quando alguém fala algo impróprio, não há qualquer resposta nem manifestação. “Desta forma, o cliente não é incentivado a repetir este comportamento”, explica Taliberti.

Se o estereótipo de gênero levou as assistentes virtuais a incorporarem figuras femininas, atualmente - e refletindo o questionamento das mulheres para ocupar espaços mais nobres -, as companhias estão buscando desconstruir essa persona. “Há marcas saindo do estereótipo da mulher branca, magra e jovem. Tendo a acreditar que podemos ter de tudo, inclusive a despersonalização, de não ter a figura humanizada. Mas isso depende do mercado, se vão gostar e se engajar”, analisa Gobo.

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