Contas em dólar ou euro se popularizam

Praticidade, segurança e custos menores explicam crescimento de apps como Nomad e Wise

Por Marco Aurélio Canônico — Para o Valor, do Rio


Tiago Xisto, influencer de games: “Antes, tinha que pedir invoice gigante” — Foto: Divulgação

Antes restritas a um microuniverso de clientes - em geral, milionários -, as contas bancárias de brasileiros no exterior vêm se popularizando velozmente nos últimos anos, graças à proliferação de fintechs e bancos digitais que oferecem o serviço a partir do Brasil. O movimento se dá em um cenário de maior globalização, onde não apenas as viagens, mas as compras internacionais on-line e os trabalhos com pagamentos recebidos do estrangeiro tornaram-se cotidianos.

O serviço começou a ser oferecido no fim de 2019, por bancos como o BS2 e o C6, visando inicialmente quem viajava para o exterior e oferecendo maior agilidade nas transações - feitas digitalmente, por meio de aplicativos, a qualquer dia e hora - e menores custos, com o câmbio comercial (mais vantajoso do que o turismo) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) com alíquota de 1,1%, contra 5,38% nos cartões de crédito.

“O sucesso desse produto está ancorado num trinômio: mais segurança, mais velocidade, menos custo”, diz Fernando Borges, diretor da Associação Brasileira de Câmbio (Abracam). “Hoje, com um aplicativo, consigo fazer uma compra de dólar para minha conta em minutos, com cotação on-line 24 horas, durante a viagem, sem precisar me deslocar até o banco.”

Leia mais:

O modelo de negócio tem variações de empresa para empresa, mas, em linhas gerais, se assemelha a uma conta de banco no Brasil, com cartão de débito (físico e digital) que pode ser usado para compras e saques, e Pix para transferência. Há quem ofereça conta em bancos dos EUA (como a fintech Nomad e o Inter), há quem use as Ilhas Cayman (como C6 e BS2). A conta em dólar é o padrão, mas há também opções em euro (C6) e multimoedas (Wise e, a partir de setembro, BS2). Custos de spread e taxas de administração variam. “O cliente deve atentar para o valor efetivo total, entender se o IOF está sendo aplicado corretamente, se é uma instituição que está se relacionado com uma instituição brasileira autorizada pelo BC”, diz.

Hoje, o apelo desse tipo de conta atinge não só os viajantes e a classe A, mas a classe média que faz compras em dólar pela internet ou que deseja ter uma reserva ou investimentos em moeda estrangeira. “Inicialmente, achávamos que seria muito concentrado na alta renda, mas 30% dos nossos clientes têm renda ao redor de R$ 5.000”, diz Lucas Vargas, sócio da Nomad. “Menos de 40% dos nossos clientes usaram o cartão viajando. Mais de 60% das contas que têm fundos têm como principal objetivo criar poupança em moeda forte”, afirma Vargas.

Outro público que passou a se valer das contas em moedas estrangeiras foram os trabalhadores de TI - muitos dos quais baseados no Brasil e atuando para empresas no exterior - e criadores de conteúdo para a internet, que monetizam sua produção em dólar.

“Abri a conta em 2021 para receber remessas de fora porque estou nesse mercado de influenciadores, e as plataformas onde criamos, no meu caso o YouTube e a Twitch, usam remessas em dólar”, diz Tiago Xisto, influencer de games e cliente da conta internacional do BS2. “Antes, eu tinha que pedir um invoice gigante, com todos os dados internacionais, era bem moroso. Hoje, faço o câmbio direto no celular e já tenho o dinheiro disponível no mesmo dia.”

O potencial de crescimento deste mercado é imenso, segundo os especialistas. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs) mostram que os gastos de brasileiros no exterior no primeiro semestre deste ano somaram US$ 5,95 bilhões, com um aumento de 36,2% em relação ao mesmo período de 2022 e o maior valor transacionado desde o primeiro semestre de 2018.

“O BC divulgou recentemente que o volume de câmbio movimentado no primeiro semestre foi de US$ 863 bilhões. Esse é o tamanho do mercado potencial para esse produto. As contas atuais não chegam a nem 1% disso”, diz Aloísio Matos, diretor executivo do banco Inter, que contabiliza 1,5 milhão de clientes em sua conta global, somando mais de US$ 200 milhões. Abracam, Bacen e Febraban não possuem dados compilados sobre as contas de brasileiros em moeda estrangeira, e nem todas as instituições ouvidas pelo Valor quiseram informá-los.

A Nomad diz ter cerca de 1 milhão de contas e cartões emitidos e R$ 2 bilhões de ativos sob custódia no 1º trimestre de 2023. O BS2 afirma ter 250 mil contas no exterior e saldo total de US$ 35 milhões nelas. O C6 informa apenas que, entre junho de 2022 e o de 2023, sua base de contas globais triplicou. O Bradesco, que passou a oferecer no mês passado conta internacional para seus clientes, estima chegar a 3 milhões delas em cinco anos.

“Quando começamos a Nomad, os bancos americanos com os quais falávamos estimavam que havia menos de 50 mil contas nos Estados Unidos de brasileiros residentes no Brasil. A popularização das ferramentas de KYC (know your client, verificação on-line dos clientes) facilitou”, diz Lucas Vargas. “Certamente vai crescer muito nos próximos anos. A pandemia acelerou a globalização de produtos e serviços, especialmente de tecnologia. Isso e a busca por proteção contra a volatilidade do real estão propagando a adoção desse tipo de produto.”

Mais recente Próxima

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!