Brasil constrói critérios de compras públicas sustentáveis

Iniciativa tem potencial de reduzir em 41% as emissões de carbono do governo

Por — Para o Valor, de São Paulo


Governos gastam, em nível global, cerca de US$ 11 trilhões por ano em compras e contratações, produzindo cerca de 7,5 bilhões de toneladas diretas ou indiretas de gases de efeito estufa - cerca de 15% do total mundial de emissões -, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). O volume financeiro movimentado mostra como a gestão pública pode influenciar soluções socioambientais e processos produtivos mais sustentáveis. De acordo com o WEF, a redução dessas emissões traria um custo adicional de 3% a 6% às compras públicas, que poderia ser abatido com ganhos de escala. Apenas o consumo governamental nos Estados Unidos soma US$ 630 bilhões ao ano, 24% da economia do país.

No Brasil, o governo federal começa a definir uma política de sustentabilidade nas compras públicas, responsáveis por 20% do orçamento. Do cafezinho às obras de infraestrutura, a adoção de novos padrões significaria uma redução de 41% na pegada climática, calcula a organização alemã Oeko Institut, que apoia a adoção de rotulagem ambiental. Além do ganho ambiental e social, a estimativa é de uma economia de US$ 5,2 bilhões por ano para o setor público brasileiro, com a melhora na qualidade dos bens, maior durabilidade e menor consumo de energia e recursos naturais, como a água.

“As compras do governo têm potencial de mobilizar inovações e induzir oportunidades no mercado, com reflexos no fomento ao desenvolvimento econômico e no aumento da arrecadação de tributos”, diz Everton Batista dos Santos, diretor de normas e sistemas de logística do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Segundo ele, a principal mudança é fazer as compras públicas “saírem das editorias policiais dos jornais e irem para as páginas da economia”, onde o tema da sustentabilidade ganha crescente espaço.

A ideia é que a avaliação do custo-benefício nas decisões de compra passe a incorporar o olhar do “melhor” preço, que abrange quesitos socioambientais, e não só o “menor”. “O objetivo é criar novas formas de contratação e desenhar editais baseados em soluções”, diz Santos, na expectativa de que a iniciativa sirva de farol para as demais esferas públicas no país.

A nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), que entrou plenamente em vigor em janeiro, prevê conceitos como o de “desenvolvimento nacional sustentável” para embasar compras, além da abordagem do “ciclo de vida dos produtos”, considerando aspectos como água, emissões de carbono, resíduos e consumo energético desde o insumo até a produção, uso e descarte. Um dos pontos regulamentados estabelece preferência para fornecedores nacionais e produtos reciclados ou biodegradáveis; outro, reserva vagas em contratos públicos para mulheres vítimas de violência.

Em paralelo, a Estratégia Nacional de Compras Públicas, em construção pelo governo, incluirá diretrizes de sustentabilidade. Uma comissão interministerial, criada neste ano, trabalha critérios ambientais e sociais, integrados a agendas como equidade de gênero e descarbonização. Serão priorizados itens mais relevantes conforme o volume de compras da administração federal e os impactos socioambientais.

“A questão vai muito além de usar ou não copo de plástico descartável”, diz Denize Cavalcanti, coordenadora de sustentabilidade no ministério. Segundo ela, o aspecto social - a exemplo da valorização de populações tradicionais - ganha destaque com temas como eficiência energética, origem renovável de matéria-prima e produção orgânica. “Finalmente, entende-se que sustentabilidade não é sinônimo de ‘verde’, e que é preciso conectar compras do governo com políticas socioambientais”, afirma Cavalcanti.

Um desafio é a capacitação técnica dos servidores para analisar o que é mais ou menos sustentável, com manuais de padronização que hoje só existem para café, água mineral e açúcar e estão sendo revisados, reforçando a questão ambiental. Ar condicionado e data centers estão na lista de prioridades pelo consumo energético.

“Medir e reportar carbono, hoje apenas um diferencial, tende a ser obrigatório em programas como o Minha Casa Minha Vida”, diz Lilian Sarrouf, coordenadora técnica do comitê de meio ambiente do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo.

Luciana Betiol, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, (FGV-EAESP), porém, alerta que o conceito muito amplo de desenvolvimento sustentável na Lei de Licitações dá margem a “greenwashing’’ por parte das empresas. Faltam indicadores baseados na ciência para o gestor público tomar decisões de compra com segurança, diz. “Não estamos maduros para isso; há muitas questões a serem respondidas”, afirma. Uma possível saída está na Política Nacional de Economia Circular, em debate na Câmara, prevendo banco de dados ambientais de produtos e serviços.

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