Cerca de 12,7% da receita das operadoras de saúde, que respondem pelo atendimento de quase 51 milhões de brasileiros, é perdida em decorrência de fraudes e desperdícios. Foi o que revelou estudo feito pela consultoria EY, a pedido do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS). Apenas em 2022 as cifras ficaram entre R$ 30 bilhões e R$ 34 bilhões. Não à toa a substituição do tradicional sistema “fee-for-service” (que remunera médicos, hospitais e clínicas pela quantidade de procedimentos) por um modelo de remuneração por valor, que preza pela qualidade e eficiência dos cuidados com foco maior na prevenção e na coordenação dos cuidados ao paciente, vem ganhando mais eco.
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O desafio é grande. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 91% dos planos de saúde no país adotavam em 2021, ano do último levantamento, o sistema de remuneração tradicional. “O sistema fee-for-service cria incentivos para o volume de procedimentos, o que pode levar a processos desnecessários e custos inflados”, afirma Cássio Alvez, superintendente médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). “Precisamos de um modelo de remuneração que valorize a qualidade e não a quantidade de serviços.” Segundo ele, não há uma receita única, uma vez que o Brasil apresenta realidades distintas na área da saúde, “mas as mudanças precisam acontecer”.
O modelo de pagamento por serviço é o mais usado, mas não é o único. Entre os adotados de maneira híbrida figuram “capitation”, sistema de remuneração fixa por paciente inscrito, independentemente do volume ou custo do serviço prestado; “bundles” (pacotes), no qual a precificação ocorre por agrupamento em pacotes completos pelo tratamento de uma condição específica ou conjunto de serviços relacionados a um episódio de cuidados previamente escolhido; e DRG-Sistema de Classificação de Pacientes, os quais são categorizados com base em diagnósticos, tratamentos e características clínicas similares e agrupados em categorias especificas. Para cada grupo de diagnóstico é atribuído um valor fixo.
Na teoria, o processo de mudança do pagamento por volume para o de valor parece simples. Na prática, porém, a transição se mostra complexa. Inaugurada em 2017, a unidade Vergueiro do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, com 140 leitos, deverá encerrar as atividades ainda no primeiro semestre. Foi o primeiro grupo hospitalar do país a ter uma unidade trabalhando exclusivamente com valor fixo por grupo de procedimentos médicos. “O sistema de ‘bundles’ é promissor, mas o mercado ainda não está maduro”, afirma José Marcelo A. de Oliveira, presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “O desafio do modelo é a coordenação do cuidado da saúde. Coordenar não é só controlar, é dar a quem precisa o cuidado certo, no momento certo, tendo informações do histórico de saúde do paciente. Isso vale para o cuidado preventivo e para o agudo”, afirma.
Segundo Oliveira, um dos principais entraves para a mudança está na fragmentação dos sistemas de saúde, que faz com que as informações geradas para o paciente não sejam compartilhadas. “O benefício do histórico integrado é real”, diz. Como exemplo, ele reforça que a taxa média de complicação de uma paciente que faz pré-natal é de 2%, enquanto daquela que não é acompanhada alcança 10%. “Quando falamos de novos modelos de remuneração, falamos de previsibilidade, que pode ser trabalhada, uma vez que 80% das necessidades de saúde são de baixa e médica complexidade”, acrescenta.
Em 2022, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) - que congrega cerca de 4 milhões de vidas e mais de 100 filiadas -, lançou um projeto piloto de cuidados para pacientes com remuneração baseada na entrega de valor (“value based health”), a fim de transformar a maneira como o mercado remunera os tratamentos médicos e oferecer desfechos clínicos melhores e mais eficientes para os pacientes. “Trata-se de um modelo colaborativo, no qual prestador e a operadora trabalham juntos para entregar o cuidado ideal para o paciente”, diz Anderson Mendes, presidente da Unidas.
Segundo Mendes, o mercado avançou na régua de evolução com o objetivo de sair de pagamentos fragmentados para globais, porém, não na velocidade desejada. “A mudança não acontecerá da noite para o dia. Os contratos hoje são bem diferentes dos firmados há uma década. O modelo híbrido começa a ser percebido como estratégia positiva na busca de maior eficiência, qualidade e menos desperdícios. Mas, para que isso avance o setor precisa pautar seus modelos em três pilares: previsibilidade, compartilhamento de risco e eficiência”, argumenta.