Luz do Sol leva cidadania a ribeirinhos do AM

Fornecimento de energia e internet e possibilita a moradores fazer cursos e empreender

Por Carin Petti — Para o Valor, de São Paulo


Denominado Solar Community Hub, projeto leva, desde 2021, energia e internet gratuitas para comunidade ribeirinha de Boa Esperança (AM) — Foto: Divulgação

A amazonense Luziete Hipy vende roupas por aplicativo de mensagem, motivada por um curso que fez on-line. Grávida de sete meses, também recorre à internet para consultas do pré-natal, realizadas por telemedicina. O atendimento é feito com ajuda da técnica de enfermagem Cristina Riateque, que, nas horas vagas, ajuda a mãe, Ana Maria da Costa, a vender mandioca também pelo celular.

O trio vive na comunidade ribeirinha de Boa Esperança e arredores, no município de Manicoré (AM), que fica a 350 quilômetros de Manaus. O trajeto pode ser feito em 13 horas de lancha. Na mesma vila, cerca de 50 pessoas abriram conta bancária pela internet para receber benefícios do governo do Estado. É o caso do programa Guardiões da Floresta, destinado a moradores de unidades de conservação ambiental envolvidos em atividades econômicas sustentáveis ou ações de preservação.

Nada disso seria possível sem acesso confiável à energia elétrica - raridade para comunidades da floresta, geralmente dependentes de geradores, que só funcionam por algumas horas, ou da rede elétrica, volta e meia danificada por chuvas e quedas de árvores. Para Boa Esperança, a solução veio da energia solar, por meio de uma parceria entre Dell Technologies, a ONG britânica Computer Aid International, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a Intel.

Com o nome de Solar Community Hub, a iniciativa leva, desde 2021, energia e internet gratuitas à sede comunitária, construída com dois contêineres e aberta aos 136 moradores da vila e outros cerca de 1.500 de dez comunidades próximas. Além de iniciativas na área de saúde, educação e inclusão digital, o projeto permite o monitoramento ambiental da região.

Entre os 140 alunos que aproveitam a estrutura para aulas está Hipy, que já fez dois cursos de informática e agora está no segundo ano da graduação a distância em ciências contábeis. “O aprendizado e o acesso à internet me ajudaram a estruturar a Lu Modas, que abri no mês passado para vender roupas que compro on-line”, diz.

Entre os cursos mais procurados, estão os de turismo, com parte das aulas presenciais e parte on-line, a cargo de professores do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam). “Queremos incentivar atividades econômicas que colaborem para a preservação da floresta”, diz Valcléia Solidade, superintendente de desenvolvimento sustentável da FAS.

Outro curso da fundação, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas, ajudou Costa a aumentar o lucro da venda de farinha de mandioca. “Aprendi a produzir com melhor qualidade para vender por um preço maior”, conta. Com as novas técnicas, ela cobra de R$ 8 a R$ 16 pelo litro (medida utilizada na região), conforme o tipo de farinha, em comparação a R$ 1,50 do produto feito pelo método tradicional. “Agora que temos internet, posso vender por WhatsApp e receber por Pix”, diz.

Seu plano é se juntar a outros produtores para lançar uma marca. “Queremos padronizar a farinha e vender on-line”. Enquanto o lançamento não chega, a filha lhe dá uma mão. “Ajudo na divulgação e quero criar uma conta para minha mãe postar vídeos do produto no Instagram”.

E não é só no marketing que a internet ajuda. No horário de expediente, Riateque conta com o apoio on-line de uma enfermeira. “Eu relato o caso pela plataforma de telessaúde, e ela me diz que medida tomar”, conta. “O sistema não seria possível com a energia da rede elétrica, que pode faltar por semanas”, diz o responsável local pelo projeto, Rivelino Carvalho.

Boa Esperança recebe a visita do médico uma vez por mês, mas as teleconsultas podem ser marcadas a qualquer momento. “Antes, se alguém precisasse de atendimento quando o doutor não estava, era preciso pegar o barco até o centro de Manicoré”, conta Carvalho. Nos seus cálculos, a viagem de ida e volta, de até três horas de barco, custa entre R$ 56 e R$ 400 em óleo e combustível, conforme o tipo de embarcação. “É muito caro, até porque a maioria das pessoas aqui vive da roça, com menos de um salário mínimo”, ressalta.

No pilar ambiental, o projeto capacitou sete jovens locais para o monitoramento de áreas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Amapá, com ferramentas de GPS e medidas como acompanhamento de roçados, formas de uso do solo, levantamento de dados de produção madeireira e leitura de mapas obtidos por satélite. “Com base nos dados e informações de georrefenciamento, a comunidade pode acionar os órgãos responsáveis pela fiscalização, como Ibama”, afirma Leonardo Tiaraju, gerente de ESG da Dell.

Mais recente Próxima Iniciativas comunitárias beneficiam aldeias no Xingu

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!