O elixir da longa vida

Com adoção de novas tecnologias e respostas rápidas às mudanças demandadas pela sociedade, negócios conquistam perenidade no mercado

Por — Para o Valor, de São Paulo


O que te trouxe até aqui não necessariamente te levará aos próximos cem anos. É com esse pensamento que boa parte das empresas centenárias passaram a investir mais fortemente nas últimas décadas em tecnologia e inovação.

Não se sabe ao certo quantas são no país. A mais antiga é a Casa da Moeda, fundada em 1694 e que não se acomodou na zona de conforto. Em 2023, colocou para rodar a primeira plataforma de rastreabilidade segura, que permite a monitoração das transações e procedência do ouro via aplicativo.

Não há uma receita única para sobreviver tanto tempo, mas um comportamento é comum entre as companhias longevas: disposição para mudar e se adaptar às novas realidades do mercado, sem abrir mão do que faz a empresa alcançar bons resultados por tanto tempo e garantir a fidelidade dos clientes. Não é uma equação fácil de ser resolvida, admitem os especialistas. Por mais que a base do negócio continue a mesma, é fundamental se adequar às transformações da sociedade e isso impõe novas maneiras de pensar a gestão, adoção de tecnologia de ponta e resposta rápida às mudanças.

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Maior empresa brasileira de produção de aço, com 123 anos de operação, a Gerdau entendeu em 2014 que era preciso criar diferentes modelos de atuação se desejasse aumentar a competitividade e melhorar a experiência do cliente. Em 2018, desenhou o projeto Gerdau do Futuro, que definiu como meta a geração de 20% da receita - até meados de 2030 - a partir de novos negócios relacionados à cadeia do aço.

Dois anos depois, a companhia criou a Gerdau Next, responsável pela incorporação de novas empresas em segmentos estratégicos - construtech, sustentabilidade, mobilidade e tecnologia -, e a Gerdau Next Ventures, fundo de corporate venture e aceleradora de startups. Dos US$ 80 milhões disponíveis para investimento, já aportou US$ 30 milhões.

“Era preciso revisitar comportamentos, processos e sistemas que faziam parte da cultura da companhia”, afirma Gustavo França, líder global de transformação de negócios e TI da Gerdau. A empresa buscou maior interação com o mercado, colocou os conceitos de inovação aberta em prática, se aproximou de hubs de inovação e construiu a própria estrutura para acelerar startups.

“Há um ano criamos a IA Inovation Center, com desenvolvimento de iniciativas de IA generativa com foco em cliente, supply chain, matéria-prima, back office”, diz França. “Usamos a tecnologia para leitura de especificações encaminhadas pelos clientes para compra de aço. Integrada à nossa capacidade de produção, ela nos permitiu reduzir a resposta de 30 dias para poucas horas.”

A IA também está em várias frentes na Bayer, presente no Brasil desde 1896, que globalmente destinou € 5,371 bilhões para pesquisa e desenvolvimento (P&D) no ano passado. Até 2023, mantinha o LifeHub SP, espaço aberto para processos de cocriação e mentoria com startups, pesquisadores, parceiros e clientes. “Entendemos, porém, que descentralizar fazia mais sentido, garantindo às equipes autonomia para buscar parceiros pontuais de acordo com a necessidade de cada projeto”, diz Gustavo Belchior, líder de inovação aberta e parcerias estratégicas da Bayer Latam.

A capacidade de mudar a cultura está vinculada à maneira como a empresa se renova”
— Jefferson Denti

Entre as soluções digitais que integram a IA em diferentes etapas do processo, Belchior destaca a plataforma Digital ClimateFieldView, as pesquisas de novos defensivos agrícolas, e a Agri-Copilot, ferramenta que utiliza IA generativa para fornecer respostas personalizadas às perguntas dos agricultores usando conjunto de dados agrícolas e ambientais.

Na área de RH, a Bayer Brasil é responsável pela criação da Retention Tool, que mapeia com uso de IA os motivos das saídas voluntárias dos colaboradores, auxiliando os líderes na melhor análise de promoções e reconhecimento. “Entre 2022 e 2023 houve uma diminuição de cerca de 23% das saídas voluntárias”, diz Camila Gianetti, diretora de ativação digital e people analytics.

Para Jefferson Denti, chief disruption officer da Deloitte, um dos principais desafios para adoção de tecnologias disruptivas como a IA, está na cultura. “Justamente um dos pilares que leva a companhia a ser centenária pode retardar a transformação digital”, afirma. “A capacidade de mudar a cultura está vinculada à maneira como a empresa se renova.” Segundo ele, a inovação precisa acontecer com fluidez e ter modelo escalável. “Isso só se faz com ecossistema orquestrado, envolvendo trocas de conhecimento com startups, universidades, bigtechs, centros de pesquisa.”

De acordo com a consultoria IDC, em 2024 serão destinados R$ 8,3 bilhões a plataformas de análise de dados e inteligência artificial no país. O estudo IBM Global AI Adoption Index 2023, por sua vez, revela que 67% das empresas na América Latina aceleraram a implementação de IA nos últimos dois anos, acima da média global, que é de 59%.

A Melhoramentos, com empresas do setor editorial, negócios de base florestal renovável e imobiliário, está entre elas. Com receita líquida de R$ 208,4 milhões e 133 anos de operação, implantou em 2020 uma área de inovação para desenvolvimento de novas receitas. “A estratégia foi criar novos negócios com a ajuda de startups e implementar tecnologias baseadas em IA”, revela o CEO, Rafael Gibini. Na primeira frente, lançou em parceria com a startup A Taba, o “Imagina Mundo”, livro interativo e digital voltado a alunos do ensino fundamental. Já em relação à IA tem projetos pilotos rodando para validação de contratos e na área florestal.

“Uma das maiores dores é como apoiar a aceleração do crescimento da floresta de um ano para outro”, diz o CEO. “Antes, o trabalho era basicamente manual. Hoje o sobrevoo é feito com drones, que, aliando realidade aumentada e IA, produzem o inventário da floresta, avaliando quantidades de árvores e apontando qual talhão apresenta dificuldade de crescimento. No futuro, com a adoção de blockchain, teremos a segurança de vender exatamente o que tem em determinada área.”

Ciente da necessidade de estar próximo do ambiente de inovação, o Grupo Malwee, fundado em 1906, já incubou empresas nascentes, criou uma área de inovação aberta e, em 2023, adotou a estratégia de olhar para startups mais maduras, revelando menos apetite de risco.

“Desde 2021, testamos o uso de IA para previsão de demanda mais assertiva de nossas coleções e ainda não encontramos a melhor ferramenta”, diz Luciano Baramarchi, gerente de TI do Grupo Malwee. “Também adotamos a IA generativa para desenho e cadastro de produtos.” O grupo investe de 1,5% a 2% do faturamento anual, que gira em torno de R$ 1,5 bilhão, em transformação digital.

Para Julio Camargo, gerente de tecnologia digital da Drogaria Araujo - rede fundada em 1906 que tem 320 lojas -, a receita para equilibrar tradição e modernidade é olhar os avanços da tecnologia com pragmatismo. “O crescimento tem de ser sustentável, a tecnologia tem de ter aderência à cultura da companhia”, afirma.

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