Estados buscam voz e políticas próprias

Secretários de Meio Ambiente defendem programas que integrem os produtores rurais

Por Eliane Sobral — Para o Valor, de São Paulo


Os nove Estados brasileiros que dividem a Amazônia buscam equilibrar o desenvolvimento sustentável com a preservação ambiental e o combate a crimes. “Não se trata de só preservar o que existe, como recuperar o que já foi destruído”, afirma Julie Messias, secretária do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas do Acre e presidente do Fórum de Secretários da Amazônia Legal e do Comitê Diretivo no Brasil da Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas, que reúne 42 Estados de 11 países.

As duas esferas buscam compartilhar práticas que dão resultados - como monitoramento via satélite de queimadas e desmatamentos ilegais - e criar uma governança que credencie os Estados como interlocutores em organismos internacionais e atores a serem consultados na formulação de políticas públicas para a região. “Ninguém conhece melhor a Amazônia e suas demandas do que quem está trabalhando aqui”, diz Messias.

O Acre quer lançar na COP28, conferência do clima a ser realizada em Dubai neste ano, um selo de integridade ambiental. “Não vamos atestar o produto, e sim que ele não é proveniente de área desmatada”, explica a secretária.

Para Eduardo Taveira, secretário do Meio Ambiente do Amazonas, o desenvolvimento da região exige conexão entre atividades tradicionais, como agropecuária e mineração, com a economia do futuro. Compras públicas diretas do Estado de pequenos produtores, estímulo a manejo florestal e recuperação de áreas degradadas são alguns exemplos citados por ele da pauta ambiental do governo.

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Homólogo de Taveira no Pará, José Mauro O’ de Almeida diz ter cerca de R$ 500 milhões do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade e do Fundo Amazônia, entre outros, para ações de proteção ambiental, e defende que os setores de mineração e petróleo deem suporte à transição para a nova economia.

Projetos em parceria com a iniciativa privada são o traço comum nos Estados da região com foco na expansão das atividades tradicionalmente desenvolvidas pelas comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. O Amapá voltou a investir na piscicultura e na agricultura familiar e Rondônia quer fortalecer atividades de baixa emissão de carbono, como cafeicultura e também piscicultura, segundo os chefes do Meio Ambiente locais, Taísa Mendonça e Marco Antonio Lagos, respectivamente. Lago afirma que em Rondônia há tribos indígenas, como a Suruí, produzindo café certificado.

“Não existe proteção ambiental sem parceria com o setor privado”, afirma o secretário de Meio Ambiente do Tocantins, Marcelo Lellis. O Estado quer usar a venda de créditos de carbono em desenvolvimento sustentável e apoio a atividades de povos tradicionais e de agricultores.

“A pauta ambiental é extremamente complexa”, diz Mauren Lazzaretti, chefe da pasta no Mato Grosso, Estado que nos últimos quatro anos aplicou R$ 6,7 bilhões em multas ambientais. No Maranhão, mais que dobrou a busca de produtores por licenciamento ambiental após o Estado desburocratizar processos e aumentar a fiscalização, afirma Pedro Chagas, secretário de Meio Ambiente e Recursos Naturais.

Leia abaixo entrevistas com os titulares do Meio Ambiente nos Estados com bioma amazônico.

Eduardo Taveira: “Aumentar a produção de forma sustentável é possível” — Foto: Divulgação

Amazonas: Bioeconomia com projetos de R$ 130 mi

Valor: Como conciliar preservação e desenvolvimento econômico?

Eduardo Taveira: Temos atividade tradicional na agricultura e na mineração, e só agora os produtores começaram a se comprometer com pautas como preservação ambiental. Aumentar a produção de forma sustentável é possível. Em parceria com prefeituras desenvolvemos projetos de sementes e mudas para recuperar áreas degradadas. Interessa ao produtor, que vai poder ter acesso a crédito. A meta inicial é trabalhar com 15 mil hectares de concessões para restauro.

Valor: Quais são as ações para impulsionar a economia verde?

Taveira: São várias, desde a compra pública direta das cadeias extrativistas até programas de desenvolvimento das cadeias do açaí, do pirarucu, dos fitoterápicos. Projetos de bioeconomia somam mais de R$ 130 milhões nos próximos dois anos. Além do programa REED+, de comercialização de créditos de carbono. Boa parte desses recursos serão investidos no fomento da economia verde.

José Mauro O’ de Almeida: transferência de recursos em produtos e serviços — Foto: Divulgação

Pará: Falta de infraestrutura é o grande desafio

Valor: Estados do Norte voltaram a ter apoio internacional?

José Mauro O’ de Almeida: Especialmente de Noruega e Alemanha, que voltaram a investir no Fundo Amazônia. Reino Unido vai apoiar projetos de bioeconomia, como os ligados a açaí e cacau. Se somar tudo dá uns R$ 500 milhões. Mas na maioria das parcerias não entra dinheiro, é transferência de recursos em produtos e serviços.

Valor: Qual é o maior desafio?

Almeida: A falta de infraestrutura. Tenho 800 servidores, 70% temporários, e preciso de 1,3 mil. O segundo desafio é econômico. O Pará é diverso economicamente, mas os dois pilares, mineração e produção de energia, não revertem recursos para o Estado. Pecuária e agricultura têm baixa empregabilidade. Este é só o pano de fundo.

Valor: É possível conciliar desenvolvimento com preservação?

Almeida: Não só é, como tem que ser possível. E os recursos não renováveis, como mineração e petróleo, têm que dar suporte à transição para a nova economia.

Mauren Lazzaretti: demanda por presença maior de órgãos federais na fiscalização — Foto: Divulgação

Mato Grosso: Combate a incêndios e desmatamento ilegal

Valor: Qual é o maior desafio da preservação ambiental hoje?

Maurem Lazzaretti: A pauta ambiental é extremamente complexa e as mudanças climáticas estão no centro das atenções. Nosso maior desafio é reduzir os índices de desmatamento ilegal em um Estado continental como o nosso, com 62% do território preservado. Já avançamos muito, com o maior investimento da história no combate ao desmatamento ilegal e incêndios florestais, de R$ 262 milhões nos últimos quatro anos. Aplicamos R$ 6,7 bilhões de multas ambientais e emitimos 11.962 autos de infração desde 2019, cerca de metade por meio de imagens de satélite. Apreendemos 1.113 máquinas e veículos em operações ambientais. Como resultado, temos uma redução de 13,9% no desmatamento total. Mas é essencial ressalvar a importância de que os órgãos federais tenham presença maior na fiscalização. O Estado não tem competência para agir em crimes ambientais em terras indígenas e áreas federais.

Marco A. Lagos: "Sabemos o que estamos fazendo" — Foto: Divulgação

Rondônia: Incentivo a baixo carbono

Valor: Como conciliar desenvolvimento e preservação ambiental?

Marco Antonio Lagos: Incentivamos atividades de baixa emissão de carbono, como piscicultura e cafeicultura. Nossa principal produção é de bovinos. Em 2020, na pandemia, cresceu a invasão de terras. Aumentamos a fiscalização e investimos no monitoramento por satélite. Na comparação com o primeiro semestre de 2022, reduzimos o desmatamento em 60%. Estamos propondo lei de concessão de áreas públicas para o manejo sustentável com sistemas agroflorestais. Temos até tribos indígenas, como a Suruí, fazendo café certificado. Ao Estado cabe apenas dar recursos, porque a cultura eles já têm. Somos daqui, estamos aqui e sabemos o que estamos fazendo.

Julie Messias: "Regularização ambiental gratuita" — Foto: Divulgação

Acre: Educação ambiental

Valor: Como o Estado trabalha pela preservação ambiental?

Julie Messias: A política deve ser transversal e perene. Criamos uma rede de governança ambiental com municípios para descentralizar ações. É preciso compliance rigoroso para que o produtor tenha acesso a políticas e linhas de crédito. Nosso trabalho prioritário com o setor privado é levantar demandas e necessidades do produtor. A maior dificuldade é coibir os ilícitos ambientais. Estamos levando educação ambiental para o produtor, que está na ponta do processo. E não só sobre sustentabilidade. A regularização ambiental é um serviço gratuito oferecido pelo Estado, mas tem produtor que não sabe. Até agora já nos reunimos com 300 produtores, com a participação do Ministério Público.

Glicério Fernandes: "Criamos unidades de conservação" — Foto: Divulgação

Roraima: Compensação a ribeirinhos

Valor: Quais incentivos há para atrair a iniciativa privada?

Glicério Fernandes: Temos isenção de ICMS para produtores que querem investir no Estado, subsídio à agricultura familiar e indígena e três experimentos com sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta em terras indígenas.

Valor: Como conciliar desenvolvimento e preservação ambiental?

Fernandes: Teremos uma política econômico-ambiental de baixas emissões para captar recursos de REDD+ e compensar agricultores, indígenas, extrativistas e ribeirinhos que contribuem para a redução de gases provenientes de desmatamento. Criamos quatro unidades de conservação em 2022, garantindo preservação e assegurando comunidades tradicionais ribeirinhas e extrativistas.

Taísa Mendonça: "Nossa economia é de pequena escala" — Foto: Divulgação

Amapá: Agricultura familiar

Valor: Como o Amapá concilia desenvolvimento e preservação?

Taísa Mendonça: No Projeto Agroextrativista PAE Maracá, 1,2 mil famílias assentadas vão trabalhar no manejo sustentável da floresta. A iniciativa privada entra com máquinas, equipamentos e tecnologia de manejo, e o Estado com licenciamento ambiental e escoamento da produção.

Valor: Qual é a maior dificuldade na pauta ambiental?

Mendonça: O Estado é pobre e isolado. Nossa economia é agroextrativista, de pequena escala. Queremos atrair empresas com isenção fiscal. O desafio é conciliar o desenvolvimento social com os recursos que temos. Voltamos a investir em piscicultura e na agricultura familiar, por exemplo. Mas é preciso ganhar escala.

Pedro Chagas: "Licenciamento cresceu 150%" — Foto: Divulgação

Maranhão: Menos burocracia

Valor: Quais as principais ações para preservação ambiental hoje?

Pedro Chagas: A desburocratização de licenciamento ambiental. A exigência de relatório de impacto ambiental passou de áreas acima de 500 hectares para acima de mil ha. Refizemos portarias, revogamos outras. Em cinco meses, a procura por licenciamento aumentou 150%. Reforçamos fiscalização e educação ambiental, e a arrecadação aumentou com multas. Essa movimentação do Estado repercute, e quem não está dentro dos padrões busca regularização. Temos três biomas, não temos estrutura para fiscalizar tudo. Estamos investindo em monitoramento por satélite e atualizando o Cadastro Ambiental Rural. Refinando os dados, conseguimos mapear o que é desmatamento ilegal.

Marcello Lelis: “Fomento a técnicas mais sustentáveis” — Foto: Divulgação

Tocantins: Parceria com setor privado

Valor: Qual é a maior dificuldade na preservação ambiental?

Marcello Lelis: A pressão por desmatamento está muito forte. Em 2023 já expedimos 485 autos de infração, contra 393 em todo o ano de 2022. As áreas de conservação são privadas e não existe proteção ambiental sem parceria com o setor privado. Fomentamos a busca por técnicas mais sustentáveis para diminuir o desmatamento. Fechamos uma venda de crédito de carbono para uma empresa suíça. Dos recursos, 50% serão usados para desenvolvimento sustentável; 20% vão para ações aos povos tradicionais; 20%, para pequenos, médios e grandes agricultores; e 10% para áreas de conversação. Cada um com suas próprias orientações e também com suas próprias demandas.

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