Os fundos de capital de risco (VCs, na sigla em inglês) deram grande atenção ao mercado de criptomoedas em 2021. No mesmo ano em que o Bitcoin atingiu sua máxima histórica, beirando os US$ 70 mil , os VCs alocaram US$ 29,4 bilhões em empresas do setor. O valor foi maior do que o acumulado de capital destinado por fundos entre 2012 e 2020.
Com a chegada do bear market em 2022, nome dado ao ciclo de baixa nos preços, a expectativa era que o apetite dos VCs fosse menor. A baixa de 65% do Bitcoin em relação à sua máxima histórica, porém, não amedrontou novos investidores.
Somente no primeiro semestre deste ano, foram investidos US$ 30,3 bilhões em empresas relacionadas a cripto, aponta um relatório da consultoria Messari publicado no início de agosto. O montante supera todo o valor aportado no ano passado e se estabelece como o atual recorde.
Superando investimentos tradicionais
O primeiro trimestre de 2022 já mostrava força no interesse institucional, com US$ 14,6 bilhões sendo direcionados a projetos relacionados ao mercado cripto no período. De qualquer forma, um aumento de 107% entre trimestres não era esperado, especialmente quando o ramo de finanças tradicionais viu o capital injetado por VCs cair 23% entre o primeiro semestre de 2021 e o primeiro semestre deste ano.
Daniel Cunha, vice-presidente de Corporate Development do Mercado Bitcoin, aponta dois possíveis motivos para esse crescimento: o cenário macroeconômico atual e o volume de capital em cada mercado.
Mudanças bruscas no curto prazo
Cunha diz que os investimentos feitos por VCs são, em geral, voltados a empresas que estão com suas teses validadas. “São as empresas que estão otimizando cadeias existentes através de tecnologia e novas abordagens que apresentam potencial de crescimento grande e acelerado, mas nem sempre podem ser classificadas como disruptivas”, afirma.
Não é o caso das empresas ligadas às criptomoedas, Web3 e à indústria blockchain, avalia o executivo do Mercado Bitcoin. O contexto cripto é menos maduro, com um “horizonte menos claro e com modelos de negócios ainda menos tangíveis”. Embora essas startups estejam em um contexto disruptivo, ainda estão em estágio inicial. “São investimentos ainda de maior risco.”
No contexto macroeconômico atual, contudo, o ajuste em volumes investidos se faz sentir mais intensamente nas teses gerais do que nas específicas de crypto e web3, diz Cunha. “Pode parecer paradoxal mas, em períodos de maior incerteza ou disrupção, o capital voltado a horizontes mais curtos se ajusta com mais intensidade, pois as premissas se transformaram subitamente. Isto é, o risco, que era ‘baixo’, aumenta bastante.”
No caso dos investimentos no setor cripto, o alto risco e a expectativa de retornos em um prazo maior já faziam parte da equação. Por isso, destaca Cunha, esses investimentos são menos suscetíveis à mudança de conjuntura causada pelo conturbado cenário macroeconômico atual. "Já tinham horizonte mais longo mesmo".
Os recordes em capital de risco sendo direcionado ao mercado de criptomoedas são um dos indicativos de que os criptoativos se tornaram impossíveis de ignorar, diz Cunha. “No ano passado, não só os investidores, mas todos os stakeholders relevantes amadureceram sua visão sobre cripto com uma tendência convergente, seja no campo das finanças ou na ampliação dos casos de uso da tecnologia.”
Preferência pela centralização
Mudando o ponto de vista e falando do lado dos entusiastas da comunidade de criptomoedas, a palavra descentralização está fortemente enraizada no discurso. Uma nova era das finanças onde o poder não reside mais nas mãos dos bancos, mas das pessoas, é um ideal que move a indústria. O ideal descentralizador até mesmo já transbordou para instituições, procedimentos do cotidiano e até mesmo na forma como a internet é utilizada.
Curiosamente, os dados contidos no relatório da Messari apontam que plataformas centralizadas do setor, as chamadas "CeFis" de criptomoedas, foram as que mais receberam investimentos. Dos US$ 30,3 bilhões alocados, as aplicações centralizadas receberam US$ 10,2 bilhões, mais de um terço. As plataformas que mais receberam aportes foram as exchanges e as soluções de pagamento com cripto.
O vice-presidente de Corporate Development do Mercado Bitcoin avalia que a preferência por plataformas centralizadas é normal. Na visão de Cunha, são as plataformas centralizadas as responsáveis por construir a infraestrutura necessária para ampla difusão dos criptos. “São a porta de entrada para consumidores e clientes institucionais. São a ponte com o sistema financeiro.”
Como empresas de infraestrutura que são, é normal que as empresas centralizadas recebam tanta atenção dos VCs, completa Cunha. “Uma boa analogia é com a Web 1.0. Sem as redes de dados construídas pelas companhias telefônicas, não teríamos acesso à internet. Até que as redes estivessem amplamente estabelecidas e disponíveis, a escala de qualquer iniciativa na internet era limitada. Em cripto, estamos ainda no início, construindo os acessos, pontes e redes sobre as quais a Web3 poderá florescer.”
Jogos em Web3 capturam interesse
Os investimentos feitos no ramo de tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês) não ficaram tão distantes das plataformas centralizadas. Ao todo, projetos envolvidos com NFTs receberam US$ 8,6 bilhões dos fundos de capital de risco, revelam os dados da Messari. Do total, US$ 4 bilhões foram destinados aos jogos em Web3, nome dado aos jogos que utilizam tecnologia blockchain como parte de sua estrutura.
Há quem tenha se surpreendido com a cifra significativa. Para Cunha, no entanto, o valor faz sentido. “A Web3 já está acontecendo nos games”, diz, afirmando que os jogos combinam diferentes aplicações do setor de ativos digitais, como aplicações de tokens, metaverso e NFTs. “São ambientes virtuais super complexos e sofisticados, proporcionando experiências em um ambiente coletivo controlado, porém, aberto a qualquer participante e com alto grau de individualidade na forma de participação.”
Uma frase replicada por investidores de criptomoedas experientes é: siga o dinheiro inteligente. O dinheiro inteligente são as quantias alocadas, justamente, por fundos de capital de risco. Se o interesse dos VCs servir de termômetro, é possível dizer que os jogos na Web3 têm grandes chances de serem uma narrativa forte dentro do próximo ciclo de alta.