Endividamento cresce no Brasil; veja como organizar as finanças

Pandemia e alta da inadimplência em 2020 reforçam a necessidade da reserva de emergência e de atenção às questões emocionais na tomada de decisão

Por Itaú


- Getty Images

Se você está endividado, saiba que não está sozinho. Ao contrário, faz parte de uma população de mais de 85 milhões de brasileiros com carteira de crédito ativa. Caso esteja com dificuldade em pagar suas dívidas, sua situação é a mesma de 4,6 milhões de pessoas. Existe saída para o caos financeiro que se abateu sobre tantas famílias?

Sim, mas requer esforços adicionais, tanto em corte de custos quanto em aumento de receita. Gerar renda com trabalhos nos fins de semana ou aulas on-line para estudantes são algumas das alternativas vistas em outros países.

São exemplos que ajudariam a reduzir os números acima, do Banco Central, e que chamam atenção pela sua magnitude: são os maiores das séries históricas. E há outros recordes. O endividamento dos brasileiros, conforme Pesquisa de Endividamento do Consumidor, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), atingiu seu maior índice em junho, 67,1%, em relação ao total de famílias, o mais elevado desde janeiro de 2010.

“Quem gasta mais do que pode está fazendo isso por impulso. As nossas emoções sempre estarão presentes na nossa mente”, explica a doutora em psicologia social Vera Rita de Mello Ferreira. Entretanto acrescenta que é preciso separar os tipos de endividados. “Existem os ativos, que gastam mais do que podem, muitas vezes por falta de planejamento, porque se enrolam com várias prestações sem fazer as contas de tudo. Mas tem agora o endividado passivo, que é a pessoa organizada financeiramente, porém que enfrenta um acidente de percurso, como desemprego ou outros problemas causados pela pandemia”, completa (veja mais sobre o assunto no box ao final da matéria).

Vários fatores, enfim, contribuem para o atual quadro. O professor de ensino superior em negócios, direito e engenharia do Insper e líder da Trilha de Finanças do Instituto, Ricardo Rocha, observa que, além do aumento das demissões, houve redução da jornada de trabalho, e aqueles com emprego estão com medo de uma possível demissão. “O planejamento financeiro desses profissionais foi refeito e houve uma redução do consumo. A queda nas vendas gera cortes nos estabelecimentos e mais desemprego. É a tempestade perfeita”, diz Rocha.

A crise gerada pela pandemia responde por outros números que explicam, em parte, o endividamento e a inadimplência. O desemprego na quarta semana de junho atingiu 12,4 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Além disso, 7,1 milhões deixaram de receber remuneração e 29,5 milhões tiveram rendimento menor do que o normal.

O reflexo dos números na vida real

“Levei um terno para o tintureiro há alguns dias e o filho dele quase chorou quando disse que era o primeiro cliente que recebia em uma semana”, conta Rocha, exemplificando o cenário.

O professor também observa que, enquanto algumas pessoas foram surpreendidas pela pandemia e acabaram endividadas, outras mantinham uma reserva de emergência para momentos como esse. “Ela deve ser equivalente a, pelo menos, seis meses da renda mensal”, diz. Mas, no Brasil, essa cultura ainda abrange uma parte pequena da população, bem como a de educação financeira.

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A jovem médica Laura Medeiros*, por exemplo, se viu forçada, no ano passado, a devolver o carro comprado seis meses antes pela impossibilidade de arcar com o valor das parcelas. Ela contava com os valores obtidos pelas horas extras trabalhadas, além da pensão dada pelo ex-marido para pagar o financiamento.

Com o fim das duas fontes de renda por razões diversas, não conseguiu manter o pagamento e ainda precisou trocar o apartamento por outro com aluguel mais baixo. Ou seja, assumiu compromissos com base em receitas incertas. Quando cogitou procurar um agiota, já sem limite de crédito bancário, a família a estimulou a entrar para um curso de educação financeira. Foi quando ouviu falar pela primeira vez sobre reserva de emergência.

Dívida boa ou dívida ruim?

A má administração das finanças é uma das principais causas do endividamento das famílias. Não saber o quanto se gasta e quanto se deve é o primeiro passo para o descontrole financeiro. É a chamada dívida ruim, aquela feita sem pensar nas consequências e que costuma crescer como uma bola de neve devido aos juros altos. Geralmente são fruto de ações impulsivas e que trazem satisfação momentânea. Mas há soluções.

“Se a compra não planejada for cara para você, aguarde uma noite de sono. Normalmente, essa noite tem poder terapêutico de frear em 25% as compras por impulso. Em situações como essa, algumas recomendações podem ser úteis na frente de uma vitrine: quero ou preciso? Onde vou colocar isso? Como vou pagar isso? Já tenho algo parecido”, sugere Paula Sauer, econonomista e doutoranda em comportamento do consumidor.

A independência financeira advinda dessa conduta virá da formação sistemática de uma poupança, no hábito e na disciplina de guardar mensalmente um valor para a reserva de emergência, essencial para manter o equilíbrio financeiro em momentos de turbulência.

O economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) André Braz destaca outro erro básico no planejamento financeiro que pode comprometer o equilíbrio das contas mensais. Por falta de conhecimento, quem geralmente faz a gestão da renda é apenas uma pessoa, aquela com a maior receita familiar. Decisão equivocada.

“Fazer gestão do orçamento familiar deve ser um esforço coletivo, com todos os membros da casa”, diz. “Se eu digo para o meu filho apagar a luz do quarto quando sair, porque só tenho R$ 100 para pagar a conta e o que exceder será debitado de sua mesada, o incluo na gestão do orçamento familiar.” Isso gera um envolvimento maior e uma economia eficiente.

Há também um detalhe importante a ser considerado: nem toda dívida é ruim e reflete descontrole do consumidor. Há créditos que geram bom retorno e viabilizam projetos pessoais importantes, sem comprometimento do equilíbrio das finanças da família.

Sacar parcela do FGTS para abater dívidas ou obter empréstimos com garantia ou consignado, que costumam ter taxas de juros mais baixas e parcelas mensais que cabem no bolso, por exemplo, permite quitar uma dívida alta e que estoura o orçamento mensal. Pode até ajudar na realização de um sonho, como empreender e ter o próprio negócio. É a chamada dívida boa – essa é possível fazer, desde que bem planejada, sem culpa. De novo, a palavra de ordem é: faça uma reserva de emergência.

Mas o que parece fácil e racional para alguns não é tão óbvio para muitos. A relação das pessoas com o dinheiro envolve, em boa parte, aspectos emocionais e de comportamento, como explicam as especialistas no quadro abaixo.

*Nome fictício. A jovem preferiu não se identificar.

— Foto: Divulgação
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