Por Isabel Clemente

Carioca, é formada em Jornalismo pela PUC-Rio e mestre em Es... ver mais

Três qualidades do padrão ouro da escrita

Não é fórmula, mas elas garantem sofisticação e aumentam as chances de seu texto ser admirado


O texto fluido resulta de escolhas Kaitlyn Bake/Unsplash

Existe um modo de escrever mais admirado? Uma forma de organizar ideias e palavras considerada mais eficaz? Existe. O padrão ouro atende a pelo menos três requisitos. E não é uma fórmula.

Primeiro é o texto preciso. Nele as palavras são claras, os verbos certeiros.

Num texto preciso, a empresa não “conseguiu resultados com inovação”, ela inovou. O time não “conquista progressos”. O time progride. A pessoa não “acumula aprendizados” porque “a pessoa aprende” já diz o bastante.

Os adjetivos, quando entram, são específicos. Nunca genéricos. Em vez de mencionar uma paisagem deslumbrante, o texto citará a paisagem montanhosa ou escarpada à beira-mar, entregando o contraste que torna a vista deslumbrante. O texto preciso nomeia. Sai árvore frutífera e entra mangueira, goiabeira. Sai “negócio disruptivo” e entra “pioneiro em...”. A empresa “que ficou encarregada de fazer o investimento” assume que “investiu”. Com precisão, as palavras ganham vida. A empresa que lidera vira líder e você ainda corta o “que”, partícula chatinha quando em excesso.

Ao perseguir a precisão de forma implacável, você reduz a chance de ser abstrato com termos que nada dizem (ex.: paradigma, advento, problemática) e aumenta a legibilidade do texto. O conteúdo fica mais claro. Exigir que o leitor releia duas, três vezes o mesmo parágrafo porque a mente, coitada, diante do insondável, foi ali e não voltou, não é justo nem gentil. Ninguém tem tempo para isso.

Com mais precisão, o texto ganha ainda apuro estético graças ao vocabulário mais rico. Saem os verbos ser e estar e entram outros que comunicam com mais confiança.

A segunda qualidade é a generosidade. Quando faz pensar, o texto marca pontos na escala do admirável porque compartilhou algo útil para quem lê. Até porque, quando escrevemos, invadimos o lugar e o tempo das outras pessoas de alguma forma. A escritora Joan Didion, em seu famoso ensaio “Why I Write” (Por que escrevo), diz que escrever é a imposição do “eu”. Até porque, em inglês, ela enfatiza, a frase “Why I Write” ecoa “eu” nas três palavras – o som de “I”, eu em inglês. Diante disso, penso que o mínimo que podemos fazer, depois de tanta invasão, é entregar algo que o público-leitor aproveite, seja uma ideia, uma boa provocação, uma emoção, uma proposta, um conhecimento, uma diversão.

Escreva de coração aberto e entregue o que você tem para entregar. Nunca subestime sua audiência. A inteligência humana independe de grau de instrução, nível social, acesso a bens culturais e livros. Todo mundo carrega uma sabedoria inata e anseia por algo a mais. Talvez nem todas as pessoas consigam expressar aquilo que mexeu com elas. Talvez faltem vocabulário, referências, energia. Sabe quando a criança diz “eu sei o que é mas não sei explicar?” Pense naquilo que você não domina. Admiro este vinho, mas não sei detalhar nota de quê senti neste gole. Só sei que gosto.

As pessoas admiram o que faz diferença para a vida delas. Gostam de se sentir inteligentes. Já escrevi isso, mas sempre haverá alguém me lendo pela primeira vez. Peguei esse conselho para mim e sugiro que você faça o mesmo sempre.

O padrão ouro da escrita não para por aí.

O texto também precisa ser enxuto, o que é diferente de conciso. Não estou sugerindo que você escreva tuítes. O texto enxuto pode ser longo, só não tem palavras sobrando. Você chega no final sem perceber o tempo passar. Parece que tudo tem lugar, sem repetições ou déjà-vu, porque o que acontece muitas vezes no texto prolixo é você deparar com um segundo parágrafo que desenvolve a ideia do primeiro com outras palavras, e chegar num terceiro que retoma o que está dito no segundo de outro jeito. Fora a mania de repetição.

Já reparou que há uma tendência generalizada de dizer duas vezes a mesma coisa? Como se um verbo ou um adjetivo só não bastasse? Há uma ânsia de enfatizar que a iniciativa é “nova e surpreendente”, que o mercado está cheio de “desafios e oportunidades”, que profissional tal deve “gerenciar e organizar”. Fazendo um paralelo com a matemática, o conjunto das coisas surpreendentes contém o de novas, o grupo dos desafios está cheio de oportunidades, e quem gerencia também organiza e vice-versa. Escolhe um. O texto fluido resulta de escolhas, que você faz de primeira ou na terceira revisão cortando essas dobradinhas que só roubam tempo da pessoa que lê.

Eu tenho uma teoria conspiratória. Certas palavras andam de mãos dadas. Quando você insere uma, a outra entra clandestinamente no texto. Por exemplo: a pessoa escreve crença e lá vem “inabalável” fazer duplinha. Acontece. Mas se a crença não for inabalável, então não é crença. Procure outra palavra.

Na busca do texto enxuto, você precisa detectar as redundâncias que são aceitas na fala, mas não precisam invadir sua escrita.

“Posso escrever assim? ‘Uma única pessoa?’”, a adolescente me lança a pergunta, retórica, enquanto fazia o dever de casa. Faço um breve silêncio.

“Pode.”

Mudo de ideia.

“Só é redundante.”

Ela suspende o olhar do caderno para mim sem tirar a caneta do papel.

"Agora você me irritou. Sabia que você ia dizer isso! Gosto de redundante. Vou redundar bastante. Vou escrever assim ‘uma única pessoa sozinha sem mais ninguém e por conta própria ficará do meio da quadra’”.

Então, é isso: se for para se assumir como redundante e fazer graça, redunde à vontade. Humor é a componente que eleva o texto do padrão ouro à platina.

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