Por Ana Inoue

É superintendente do Itaú Educação e Trabalho

Senso de responsabilidade

Apesar de as mulheres negras realizarem o maior esforço de escolarização, esse empenho não é absorvido na ascensão social


São múltiplos os desafios que afetam nossas juventudes, parcela da população que ainda é maioria e atingida de maneira contundente por questões socioeconômicas que definem os rumos de suas vidas e do nosso país. Sob a perspectiva racial, essa realidade é ainda mais dura com as juventudes negras, impactadas por um racismo estrutural que persiste do direito fundamental à vida, às oportunidades de educação, emprego digno e crescimento.

Vale relembrar: a maioria da população brasileira é negra, a maioria das nossas juventudes é negra. Portanto, sem enfrentar o racismo que exclui e aumenta as desigualdades e sem a população negra não seremos o país próspero, justo e democrático que podemos ser.

Vejam os dados que corroboram esse cenário de desafios. A população adulta de pretos e pardos no Brasil é de 56%, enquanto entre os jovens é de 61%, segundo dados da Pnad Contínua. Deveria ser uma proporção equivalente, mas não é. Isso significa que as pessoas negras morrem mais jovens, sem chegar à vida adulta. Para se ter uma ideia das violações contra essas existências, com marcador racial, claro, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que 83% dos mortos pela polícia em 2022 no Brasil eram negros e, destes, 76% tinham entre 12 e 29 anos. Para quem sobrevive, a realidade é dura. Segundo dados de 2021 do IBGE, enquanto 35,2% da população branca estava sem emprego, 52,1% de pardos e 12% de negros estavam na mesma situação.

A quem cabe atuar para reconhecer as desigualdades que estão postas, que são ditas, mostradas e escancaradas e mantidas até hoje em um sistema que exclui e afasta? Ouvi recentemente de Diane Lima, uma das curadoras da 35ª Bienal, uma das perguntas que orientou a curadoria desta Bienal “Como as diferenças podem não produzir violência? Como, ao expô-las, podemos não gerar violência e reações violentas?”. Esta pergunta traz à tona a responsabilidade assumida pela equipe da Bienal de lidar com o desafio de abordar a pauta racial com uma intenção explícita de não provocar mais agressividade do que a que já existe. Não basta buscar a cura desta doença que é o racismo, a maturidade desta reflexão indica que é preciso buscar caminhos que permitam o diálogo para que possamos avançar.

Apesar de a mulher negra realizar o maior esforço de escolarização, o empenho não é absorvido na ascensão social

A pergunta que fica é: de quem é a responsabilidade pelo diálogo, pela cura do racismo, pela diminuição das desigualdades?

A resposta, quase todos sabem: essa responsabilidade é de todos nós. É do Poder Público, mas é também do setor produtivo, das redes de ensino, das organizações da sociedade civil e de cada cidadão. E, mais do que isso, é com ações intersetoriais estruturadas e efetivas que mudamos a realidade e firmamos o compromisso de romper com esse ciclo que os dados alarmantes evidenciam. Precisamos de políticas públicas, mas precisamos também de um compromisso real e efetivo da iniciativa privada, da sociedade civil. Viver em sociedade tem destas coisas: precisamos uns dos outros!

No mês de setembro, em evento que trouxe para o centro do debate a Educação Profissional e Tecnológica, com discussão também na perspectiva das juventudes negras, a filósofa Sueli Carneiro, uma das participantes, foi contundente ao denunciar que “o racismo persiste operando sem freios para barrar o avanço da mobilidade social de pessoas negras”. Ela destacou que, apesar de as mulheres negras realizarem o maior esforço de escolarização, esse empenho não é absorvido na ascensão social.

É um lembrete urgente de que não basta garantirmos educação de qualidade, precisamos criar as oportunidades e remodelar a forma como o mundo do trabalho opera. Sueli sugeriu, ainda, que o “esforço educacional encontre realização em políticas de inclusão racial nas empresas comprometidas”. Está dado o caminho que precisamos percorrer. No mesmo evento, Natalia Sena e Jaqueline Lima, educadoras do Geledés, mostraram projetos feitos para e com as juventudes negras periféricas que resultaram em trabalho, dignidade, renda, nenhuma gravidez precoce e indesejada, nenhum encarceramento.

A quem não conhece: conheça a juventude negra! Ela possui respostas e soluções não óbvias. Saber quais são seus desafios e valorizar toda a sua potencialidade, que a sociedade tem descartado até os dias atuais certamente trará caminhos possíveis para a diminuição das desigualdades e desenvolvimento do país.

E não basta admirar e concordar, é preciso mais! É preciso efetivar as mudanças. E muitas delas estão dentro do território empresarial que pode criar as condições necessárias para transpor essa delimitação. É preciso ampliar o senso de responsabilidade para um fluxo contínuo, estrutural e que alcance o maior número de jovens possível, garantindo a perspectiva racial. E só é possível operar essas mudanças conhecendo a realidade desses cidadãos.

Estamos falando de uma potência desperdiçada. A Educação Profissional e Tecnológica, nesse contexto, contribui ao ter em seu DNA a preocupação de olhar para a educação também contemplando outras questões essenciais, como empregabilidade digna, redução de desigualdades, qualificação para o futuro e ampliação de perspectiva de formação. Em sua essência, é uma modalidade de ensino que convida à intersetorialidade. Convida a sociedade a pensar a educação não só pelo viés de qualificação, que não é o suficiente para o jovem. É preciso ir além, em uma linha de educação que defende não só ampla oferta atualizada, qualificada e moderna para os jovens, mas também políticas públicas sólidas, mobilização em rede e participação do setor produtivo em todo esse processo de abrir caminhos para as juventudes, considerando toda sua diversidade.

As juventudes e, especialmente as juventudes negras, precisam disso e é responsabilidade de todos nós buscar reparar os erros e os prejuízos que impedem a ascensão de um potencial negligenciado. Não podemos mais ser irresponsáveis!

Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho, frente da Fundação Itaú com foco em educação profissional, juventudes e sua inclusão no mundo do trabalho

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