Por Ana Maria Diniz

Fundadora do Instituto Península, que atua na formação de pr... ver mais

A tirania DEI

As mesmas universidades que ostentam os ideais de diversidade, equidade e inclusão se tornaram focos de ódio e atos extremistas, onde quem pensa diferente não tem voz


Desde a criação do primeiro Studium Generale, na cidade de Bolonha, em 1088, o embrião do que viria a ser o ensino superior nos moldes atuais, a universidade se consolidou como o lócus da liberdade de pensamento na busca pela verdade, a fortaleza responsável pela preservação do conhecimento e dos valores que moldaram a sociedade e a vida no Ocidente. Ao longo dos séculos, essa edificação se manteve sólida, firme nos princípios e virtudes que serviram de base para a sua construção. A demissão, no início do ano, da presidente de Harvard, Claudine Gay, após acusações de plágio e de leniência com o antissemitismo, foi a ponta do iceberg de uma situação complexa na qual as universidades se encontram. A Torre de Marfim, já vulnerável por conta da enorme crise de propósito que se abateu sobre a academia, desmoronou.

O ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, abriu uma janela para o que tem acontecido nas escolas de elite. E revelou uma verdade inconveniente: as mesmas universidades que ostentam os ideais de diversidade, equidade e inclusão se tornaram focos de ódio contra Israel e contra os judeus. Os episódios de antissemitismo não foram exclusividade de Harvard. O mesmo aconteceu em várias outras instituições mundo afora. Esse extremismo é resultado da guerra cultural que infestou o ensino superior. Nos últimos anos, as universidades foram arrastadas para a disputa ideológica. Hoje, elas assumem abertamente o lado do progressismo radical.

Indo um pouco mais fundo, como fez Bill Ackman, descobre-se que o que vigora nas universidades do mundo é a política DEI, um movimento poderoso infiltrado na academia e em todo o sistema educacional. Travestida de palavras bonitas e de suma importância - diversidade, equidade e inclusão - a DEI é o oposto disso. Trata-se da institucionalização das pautas identitárias que se tornaram a causa da esquerda, com um entendimento muito peculiar sobre o que é racismo, justiça social e democracia. O resultado é um ensino superior dominado pela ideologia e não pela razão, que toma decisões com base em questões étnicas e de gênero, não em mérito e rigor acadêmico.

Envolta na linguagem do antirracismo, a DEI tem uma visão de mundo bastante binária, divisionista e racista. A premissa fundamental da DEI é a divisão do mundo em oprimido e opressor e a vitimização permanente das minorias. Os escritórios de diversidade, equidade e inclusão são os responsáveis por colocar esse pressuposto em prática. O problema é que esses esforços acabam violando o tratamento de alunos e professores e influenciando o conteúdo do que é ensinado e os métodos de ensino.

A repressão às opiniões divergentes nas universidades, algo que jamais poderia ser normalizado, banalizou. De acordo com a Foundation for Individual Rights and Expression (FIRE), entre 2014 e 2022, nos Estados Unidos, houve 877 tentativas de punir acadêmicos por pensar diferente. Destas, 60% resultaram em sanções reais, incluindo 114 casos de censura e 156 demissões. Quanto mais cancelamentos, mais professores e alunos se autocensuram, alimentando a espiral do silêncio.

Universidades que exibem ideais de diversidade, equidade e inclusão se tornaram focos de ódio e atos extremistas

Todo esse aparato persecutório acaba afastando acadêmicos que se posicionam em outros quadrantes do espectro político. Um estudo da Universidade de Kent e do “think tank” Legatum Institute, de 2022, trouxe evidências de um forte desequilíbrio ideológico nos campi. A pesquisa contemplou 48 universidades dos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Canadá. Os resultados mostram que 76% dos acadêmicos se identificam como de esquerda. Só 11% se declaram de direita. Mais relevantes são os dados sobre a liberdade de expressão: 91% dos professores de direita acreditam que a liberdade de expressão deve ser prioridade no meio acadêmico, mesmo que viole a ideologia da justiça social; entre os de esquerda, 45% pensam o mesmo.

Ter a maioria dos acadêmicos defendendo um único ponto de vista alimenta um ciclo vicioso que prende a universidade ao dogmatismo, impedindo que ela se renove de forma mais plural. Além disso, a tirânica política DEI impacta a visão de mundo dos alunos, com consequências imensuráveis para o futuro de seus países, pois esta elite formada nas “melhores” universidades do mundo estará sentada em posições de liderança em empresas ou governos no futuro próximo. O grau de radicalismo dos alunos em relação a quem não segue a cartilha é perturbador. Um estudo da FIRE, de 2021, em 159 instituições americanas, revelou que 66% dos estudantes apoiam calar oradores e 23% acham aceitável o uso da violência para impedir certos discursos.

É notório que as universidades brasileiras também já foram contaminadas pela praga do discurso único. Um exemplo disso foi o episódio envolvendo a advogada Janaína Paschoal. Professora concursada, Janaína se licenciou da Faculdade de Direito da USP para exercer o mandato de deputada estadual, de 2018 a 2022. Em fevereiro de 2023, o Centro Acadêmico XI de Agosto divulgou uma carta contra o seu retorno à instituição, que dizia: “Hoje a Faculdade de Direito da USP é dos alunos negros e pobres, pertence aos defensores da democracia, não aos seus detratores”.

A boa notícia é um projeto alternativo de universidade que está em andamento na cidade de Austin, no Texas: a UTAX. Concebida em 2021 por figuras renomadas, como Niall Ferguson, Joe Lonsdale e Pano Kanelos, a UATX tem como premissa a busca destemida pela verdade e está com sua aula inaugural prevista para o primeiro semestre deste ano. Se deslanchar, o projeto pode se revelar um sopro de esperança e uma inspiração para que a liberdade de pensamento retorne ao ensino superior.

Ana Maria Diniz é fundadora do Instituto Península, que atua na formação de professores; empresária e conselheira do Todos pela Educação e Parceiros pela Educação

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